Salve-se Quem Puder #15 – Votos Matrimoniais

Nesses momentos é de praxe iniciar com uma história fofinha de como o casal se conheceu. Pois bem: Era um sábado. Durante o final da manhã, e boa parte da tarde, estive em um evento de cerveja artesanal. Saindo de lá fui ao aniversário de um tio. Tarde da noite me despedi dos familiares e parti rumo ao aniversário de um amigo de infância. Madrugada adentro, me pareceu uma boa ideia, não encerrar a noite e ir para um show de rock. O que tinha tudo para ser uma decisão ruim após um dia de bebedeira, se mostrou excelente. Porque lá no Lord Pub eu te conheci. Pode até não ser uma história fofinha, mas esse dia mudou a minha vida. 

Ouvi dizer que relatar acontecimentos felizes e amorosos do casal é uma forma de agradar e fazer bons votos matrimoniais. Estamos juntos há quatro anos e tivemos muitos momentos. Escolhi um deles para compartilhar. É uma de nossas idas ao aeroporto. Viajar é estressante, primeiro temos que trabalhar para conseguir o dinheiro. Depois temos que implorar por uns dias de folga, e, para um casal, essa chateação é em dobro. Tudo tem que ser alinhado para estarmos livres juntos. O que não é fácil para uma médica recém formada. Após tudo isso, ainda temos que arrumar as malas. No dia o Lucas nos levou ao aeroporto. Carregamos todas as malas e chegamos com horas de antecedência. Estávamos na sala de embarque com tempo e sentados em frente ao portão de saída. Agora era só curtir um casamento em Arraial D’ajuda. Foi nesse exato momento que nos pareceu uma boa ideia, ir tomar um café e perder o voo. Correndo de lá para cá, com nossas malas pelo aeroporto, conseguimos remarcar a passagem. Porém apenas para o dia seguinte, pegamos um uber e fomos para casa. O resultado é que perdemos um dia de folga, um dia de hospedagem, tivemos que pegar um novo uber no dia seguinte e gastamos mais dinheiro do que o previsto. O que tinha tudo para ser um dia estressante e cansativo, acabou sendo mesmo. Mas juntos conseguimos rir, ficar calmos e até nos divertir. Com você tudo fica mais leve e divertido, me sinto seguro para enfrentar qualquer adversidade.   

O que nos leva ao momento de dizer a sua importância para mim. Creio que uma forma interessante é utilizar uma frase de efeito, bonita, romântica e impactante. Como por exemplo: “Todo pote tem sua tampa”.  É, dizendo assim não parece tão romântica. E fico com medo de que essa expressão não demonstre o tamanho da sua importância para mim. Primeiro porque nem todo pote tem tampa e tem muita tampa perdida por aí. E tá tudo bem. O que importa mesmo é o que está dentro, é a conserva o mais importante. É o carinho, o cuidado e o amor cotidiano. É se sentir apoiado em seus sonhos e em seus planos, por mais mirabolantes que sejam. É a nossa vida, nossos planos e um ao outro que conservamos com todo o cuidado do mundo. Nosso picles do amor são duas pessoas que se cuidam e olham para a mesma direção. Você me apoia, cuida de mim e me deixa ter o privilégio de fazer o mesmo. Juntos somos melhores.  

Chegamos finalmente às promessas de amor. Eu prometo, e quero, estar sempre ao seu lado. Prometo ser fiel a você, te amar e te respeitar, na alegria ou na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida. Eu te amo e quero te mostrar isso todos os dias. Você é a melhor decisão que já tomei. Sou muito grato pelo privilégio de compartilhar a vida com você. Somos parceiros, cuidamos um do outro, e estamos construindo uma vida juntos. Temos planos, sonhos, metas e até adotamos um gato. Fico feliz de perceber que nessa caminhada não estamos sozinhos, são duas famílias maravilhosas que estão sempre a disposição para nos ajudar.  Nos ajudam, até quando ainda nem nos demos conta de que estamos precisando de ajuda. Duas famílias, que agora são uma só.

Mesmo com todos os privilégios que tivemos e que ainda temos, a vida não é fácil. O futuro é sempre incerto e tempos difíceis podem vir. Me deixa muito tranquilo pensar, que você vai estar ao meu lado nessa jornada. 

Ana Laura, eu te amo. É um prazer compartilhar minha vida com você. 


Salve-se Quem Puder!

Manual de autossabotagem, sozinho e por si só.


O autor:

Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem Puder #14 – Prato do dia: Minas Gerais

No FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) de 2018, fui um dos quadrinistas selecionados para participar da exposição “Traçado na memória”.

Cada artista escolheu um ponto turístico de Belo Horizonte, com o qual têm uma conexão, e deveria representá-lo em uma página de hq. Além disso, cada autor também teve que escrever um testemunhal para seu ponto simbolo da cidade.

O meu não poderia ser outro, senão, o Mercado Central! Sábado passado, dia sete de setembro de 2019, o Mercadão completou noventa anos de idade. Para celebrar a data resolvi eternizar por aqui a singela homenagem que produzi ano passado.

Segue algumas fotos da exposição e na sequência meu texto testemunhal.


“Tenho tantas lembranças do Mercado Central que seria impossível retratá-las em apenas uma página de HQ.

Desde pimpolho acompanho meus pais em compras e passeios. (Regados com abacaxi, goiabada e doce de leite.) Com amigos já fiz aquisições inusitadas, após estadias em seus hospitaleiros bares. Depois de longas jornadas pela noite belo-rizontina, fui protagonista de situações incomuns e comportamentos não usuais. (Cantar e dançar descalço, com a camisa semi-aberta e devidamente equipado com um sombreiro, não é tão incomum né?) Lá consumi saborosos cafés da manhã. (Munidos de pinga da roça e fígado acebolado com jiló). Constantemente faço compras para embelezar minha morada, encorpar minha cozinha, abastecer minha geladeira e aromatizar minha horta.

Sinto que o Mercado me acompanha em todos os momentos da vida. Já perdi a conta de quantos sábados me deliciei com suas prosas e causos. Acredito que é assim que se sente todo belorizontino. Aliás, os mineiros.

Hospitalidade, aconchego, alegria e tradição. É a parada obrigatória das Gerais e o melhor e mais democrático ponto de convivência de Belo Horizonte. O Mercado Central é a multiplicidade de cores, produtos, pessoas e sabores, é onde de fato se encontra Minas Gerais.

Oitenta e nove anos de tradição, o terceiro melhor mercado do mundo e meu parceiro.

Tamô junto mercadão!”

*Texto de maio de 2018


Ministério do sarcasmo adverte:

Acreditar e/ou levar a sério informações desse texto é um atestado de bestialidade.



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Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem Puder #13 – Celular é amor!

Na vida adquirimos virtudes, com muita luta conquistamos posses e geramos oportunidades. Estamos sempre lutando para atingir algo, normalmente conseguimos patavinas. Mas, às vezes, alcançamos glórias como um bom pileque ou curtidas em redes sociais que rendem a ilusão de que somos felizes e amados. Passamos por muitas experiências em nossa frustrada existência, paixões, brigas, empregos, barraquinhas com vários sabores de churros, almoços de família, o amor verdadeiro que não é verdadeiro porque acaba e as crises existenciais. É da nossa praxe valorizar, estimar e endeusar o patrimônio considerado por nós, primatas bípedes semi-evoluídos, mais importante. O telefone celular.

Ah os smartphones! Que obra dos Deuses. Um elixir maravilhoso que agrada e deixa a vida mais efêmera e nula. Um parceiro que nos acompanha diariamente, diz como está o dia, a temperatura, as novidades, o trânsito, as horas e permite a conversa entre os humanos. Diálogo esse, que pode ser resumido ao compartilhamento instantâneo de “bom dia” com flores, fotos de nossas refeições, memes e a tão bem vinda pornografia. Tudo o que precisamos para nossa sobrevivência encontramos nesses aparelhos mágicos. Uma outra forma para realizar tudo isso seria sair de casa, interagir uns com os outros e analisar a natureza a nosso redor. Mas afinal, quem têm tempo para isso? Prezamos tanto por nosso telefone que ele nos acompanha no trabalho, academia, banheiro, em todos os lugares, até os levamos para a cama. E durante todo esse tempo ele escuta nossas mágoas, nos conforta quando estamos tristes,  guarda nossos segredos e até mesmo protege nossos primorosos nudes. Eles são bons companheiros

Não é à toa o nosso ciúme criminoso e possessivo por nossos smartphones. É um procedimento comum receber algo ou alguém que demonstra interesse e/ou tenta encostar em nosso telefone, com um imediato e robusto tapa na fuça. Somos apegados a nossas máquinas do amor. Quem não se lembra do deslumbre que é uma nova? Nós adoramos as novinhas. É lindo quando tudo é novidade, a empatia flui, todas as nossas demandas são bem atendidas e, em geral, o convívio funciona bem. Também é fácil lembrar de nossos acessos de ódio quando falharam ligeiramente ou quando não agem conforme o esperado. Só é difícil lembrar dos modelos anteriores que passaram por nossas vidas, não por questões mal resolvidas ou porque ainda nos fere por dentro, é só falta de interesse mesmo. Até porque qual o sentido de tentar consertar algo importante para você se é comum e aceitável apenas dispensar e trocar por outro telefone. E se ao invés de um aparelho danificado o seu um dia “acabar”, a solução é igualmente simples. Consiste em enfiá lo em uma gaveta e fingir que nada aconteceu e que até mesmo você nunca teve um celular. Basta colocar um dinheiro no bolso chamar os amigos (as) e partir para as compras nos passadiços finais de semana. É habitual testar o máximo possível de modelos antes de tomar sua decisão.

O ser humano ama seu smartphone. Essas máquinas fantásticas transformam nossa existência e mudam nossas vidas. Sem elas passariamos por maus bocados. Então seguimos com esse relacionamento complexo e unilateral (Assim como fazemos com todas nossas convivências) na esperança de que tudo é perfeito, mágico e vai durar para sempre. E, se não permanece, pouco ligamos. No mercado sempre saem novos modelos. Mais jovens, modernos, atraentes e onerosos.

Celular é amor.

Bjundas


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Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem Puder #12 – O Tempo e o Walter

Tempo. O tempo é muito importante para os humanos. Na verdade, é extremamente significativo para todos os seres pensantes do universo. Aliás, se você é algo ou alguém que existe no cosmo, certamente é ele que torna funcional sua vida baldia. O tempo rege as interações e acontecimentos do espaço. O tempo é importante mesmo. E, é irônico que justamente o sujeito com menos aptidão e vontade para lidar com seus trejeitos e peripécias, seja justamente quem de fato aprendeu a controlá-lo. Esse rapaz se tornou o primeiro viajante no tempo, pelo menos o primeiro do planeta Terra.  

Walter abriu os olhos. Olhou para os lados na tentativa de descobrir onde estava, era seu quarto sujo e desarrumado. Notou que estava com a roupa do dia anterior, não ligou. Olhou as horas em seu celular, eram oito horas da manhã de um domingo chuvoso e abafado. Smartphones hoje em dia informam tudo. Ainda bem! Dá muito trabalho olhar pela janela ou sair do apartamento para descobrir como está o dia e os acontecimentos em geral. Se Walter tivesse saído, ia perceber chovia o tipo de chuva que não encharca muito, mais que pinica, incomoda e molha o suficiente para que quase  seja necessário o uso de um guarda chuva. E que, como não usamos, embebeda nossas vestimentas de qualquer forma. Apesar de ser um horário indigesto para uma manhã de domingo, Walter ficou feliz

– Que beleza! Tá cedo. Hoje o dia vai ser produtivo, tenho tempo! – Pensou. Virou para o lado e dormiu por mais quarenta minutos. Abriu os olhos novamente, e mais uma vez ficou feliz. Sentia-se bem. Poderia estar melhor, o gosto ruim na boca, os olhos ardendo, a cabeça doendo e o estômago embrulhado incomodava um bocado.

– Vai ser corrido, mas não vou perder o prazo. Não sei o que rolou ontem, mas certamente fiz o melhor que pude. – Justificou para si mesmo em uma tentativa frustrada de se convencer que o abandono total de suas obrigações tinha sido uma boa ideia e o certo a se fazer. Isso porque na madrugada de sexta-feira, enquanto se embriagava em uma boate com os amigos, ele planejou seu fim de semana. Tinha que terminar os relatórios, editar os áudios dos programas, terminar algumas ilustrações e jogar video game. Ninguém é de ferro. Foi uma pena que um incidente indispensável e incauto lhe custou toda a tarde de sábado. Pelo menos o ocorrido tornou possível levantar cedo naquela manhã de domingo. No sábado, quando acordou por volta de uma da tarde, estava com fome e ligou para um amigo. Foram almoçar no boteco da esquina, no qual, passava mais tempo do que em sua própria morada. No bar eles pediram o cardápio e analisaram cuidadosamente todas as suas opções, chamaram o garçom e pediram uma cerveja e duas doses de pinga. Colocaram os cardápios de lado e começaram a jogar conversa fora. O que não é problema nenhum, o contratempo aqui, foi que passaram o resto da tarde e início da noite bebendo pinga da mesma forma que indigentes andarilhos recém saídos do deserto bebem água. Walter dormiu mais cedo que o de costume naquele dia.           

– Acho que é uma boa idéia comer algo, a ressaca tá brava! – Pensou. Ficou de pé, caminhou até a mesa de seu quarto acendeu um cigarro, ligou a televisão e deitou novamente na cama. Uma hora depois exausto de tanto trocar de canal, resolveu que deveria aprumar e começar a resolver suas pendências.

– É comer algo, tomar um banho e trabalhar. – Tentou convencer a si mesmo. Pegou uma revista em quadrinhos entrou no banheiro e passou um relaxante fax aguado e ardido. Leu o gibi até o final. Com menos quarenta minutos de seu dia se levantou lavou as mãos e partiu para a cozinha. Se deu conta de que seu celular estava no quarto, voltou para pegá-lo. Após meia hora de troca de mensagens deitado em sua cama utilizou mais uma hora de seu dia olhando para o teto em um momento de inatividade ociosa.

– Meu Deus! São onze e cinquenta. Tenho que trabalhar! – Walter deu uma bronca mental em si mesmo, levantou ligou seu notebook e arrumou sua mesa de trabalho. – Está na hora de finalizar os relatórios. – Disse em voz alta. Olhou para o relógio do computador, era meio dia. – Bem, é melhor parar agora e almoçar. Depois trabalho sem pausas durante o resto do dia. Isso mesmo, boa idéia! – Levantou convicto de que finalmente tomou uma boa decisão e partiu para a cozinha. Não tinha muitas opções de comida. Resolveu que ia fazer algo, gostava de cozinhar e era bem bom modéstia à parte. Pegou farinha, ovos, leite, legumes, pimenta e frango desfiado. Preparou uma massa de panqueca, cozinhou os legumes e assou uma linguiça que encontrou em seu congelador. Temperou tudo com manjericão, azeite, sal esquentou o frango e misturou aos legumes. Picou a linguiça na massa da panqueca e a fez na frigideira, a massa ficou maior que uma panqueca comum e menor do que um bolo normal. Colocou o cozido de frango e legumes por cima e finalizou fazendo uma casca de queijo canastra com fubá. Pegou seu molho de pimenta mais forte, duas cervejas e voltou para o quarto quase duas horas depois de finalmente ter tido uma boa idéia.

– Mandei bem, que delícia! Acho que inventei um novo rango do bom. – Afirmou satisfeito. Ele estava certo. – Nossa comi demais! – Constatou dando o último gole de sua segunda cerveja, novamente estava certo. Foi até a cozinha deixou o prato e as garrafas na pia. Voltou e no caminho parou para servir uma dose de pinga caseira, tinha lido em algum lugar que era bom para a digestão. Chegou no quarto, pegou o controle da televisão e antes de desligá-la mudou de canal. – Oba! Adoro esse faroeste. Que sorte, acabou de começar… – Refletiu com o sorriso de uma criança que acaba de ouvir o sinal do recreio. – Dez minutos para a digestão e volto ao trabalho. – Se limitou autoritariamente, deu um gole na pinga e deitou na cama. Assistiu todo o filme.     

– Não é possível, cinco da tarde! – Assustou ao conferir as horas em seu telefone. – É pegar uma garrafa d’água e finalizar os relatórios, editar os áudios e fazer as ilustrações. – Planejou. No caminho para a cozinha percebeu triste que não teria tempo para o videogame. Pegou a água deu um gole e lembrou que não regava sua horta a uns dois dias. Subiu correndo para o terraço, cuidou de suas plantas e apreciou o lindo fim de tarde deitado na rede. O pôr do sol particularmente foi magnífico. Duas horas mais tarde, aproveitou o embalo para dar uma lida rápida em seu livro favorito, uma ficção científica de humor. Uma hora e meia depois de uma leitura prazerosa acabou tirando um cochilo de quarenta minutos. Abriu os olhos.

– Nove e dez! – Exclamou horrorizado em voz alta. – Meu Deus, o tempo passa rápido demais! – Gritou. Saiu correndo determinado, sentou em sua mesa e abriu seu notebook. Cinquenta minutos depois ainda olhava seu email. – Dez horas da noite… – Walter choramingou. – Não é possível! Exclamou. – Aaaaah! Gritou e começou a chorar.

Durante séculos o tempo era uma medida absoluta. Ele era verdadeiro, matemático, boa pinta e sincero. Acontecia da mesma forma para todo e qualquer observador. Isso, até Einstein mudar as regras. O tempo passou a ser relativo e cada região do espaço a ter seu próprio relógio. (Digital ou não) Fato é, que ir para o futuro é fácil. Basta viajar na velocidade da luz, o que aí sim é bem difícil. Voltar no tempo é o problema, já que a forma viável de fazê-lo envolve buracos de minhoca. Isso, até Walter mudar as regras. A “Conjectura de Proteção Cronológica”, segundo Hawking, é que as leis da física impedem qualquer possibilidade de viagem para o passado. Além de um pouco de recalque, elas querem impedir que você acidentalmente mate seu próprio avô ou que se torne seu próprio pai. Esse tipo de paradoxo nas leis de causa e feito não faz bem para o universo. Na verdade, só deixa ele estressado. E aqui entra Walter, um procrastinador nato que após se concentrar de forma intensiva e incansável, na tentativa de explodir seu próprio cérebro em um suicídio ilógico. Acabou se esquecendo de toda e qualquer regra imposta pelo tempo e ludibriou as leis da física. Walter só conseguiu passar completamente despercebido por elas, porque independente do tempo disponível em suas mãos a chance de criar um paradoxo era nula. Ele ia procrastinar. Tudo ia ocorrer conforme o esperado.

Walter abriu os olhos, olhou em volta e na televisão os créditos do bangue-bangue subiam a tela. – Eu voltei no tempo! – Gritou enquanto saltava da cama. – Glória a Deus! – Gritou enquanto gesticulava os braços quase exatamente igual mas ligeiramente diferente de um macaco que corre atrás de uma penca de bananas. – É tomar um banho e trabalhar! – Constatou feliz. Quarenta minutos depois saiu do chuveiro, gastou meia hora arrumando seu armário e resolveu conferir o facebook. Duas horas depois percebeu que estava com sede e partiu para a cozinha, quarenta minutos mais tarde após inovar no fogão um rápido lanche, atinou que já eram dez horas da noite novamente. – Merda! – Pensou. Fechou os olhos, se concentrou e tentou explodir seu cérebro com mais intensidade ainda na tentativa de voltar mais cedo no tempo. Deu Certo.

Walter abriu os olhos, estava olhando para o teto em um momento de inatividade ociosa. – Onze e cinquenta da manhã! Sou foda. – Afirmou enquanto dançava igual ao Vitinho Avassalador. Resolveu que seria rápido prático e objetivo. Evacuou, tomou banho, cozinhou, almoçou, cuidou das plantas, dormiu na rede, leu quadrinhos, assistiu televisão, conferiu os emails, ficou a toa, facebook, twitter, facebook, youtube, facebook, celular, cochilo e youtube. Deu um grito. Esfregou os olhos, olhou novamente as horas. Deu outro grito. – Dez horas da noite, inacreditável. – Pensou que seria uma boa idéia desistir daquilo tudo, ou então, em voltar para um época em que sua pessoa não existisse. O que não tinha lógica alguma, mas era tentador. Até que teve, o que para ele pareceu, uma boa idéia. Voltar mais ainda no tempo. Fechou os olhos e se esforçou, concentrou extremamente, fez o máximo que pôde para tirar proveito da vista grossa das leis da física e abriu os olhos.

– Sábado! – Gritou em êxtase ao conferir a data em seu celular. Era por volta de uma da tarde, depois de alguns minutos se sentindo muito satisfeito consigo mesmo notou que estava com fome. Ligou para um amigo e foram almoçar no boteco da esquina, no qual, passava mais tempo do que em sua própria morada. No bar eles pediram o cardápio e analisaram cuidadosamente todas as suas opções, chamaram o garçom e pediram uma cerveja e duas doses de pinga. Colocaram os cardápios de lado e começaram a jogar conversa fora. E passaram o resto da tarde e início da noite bebendo pinga, da mesma forma que indigentes andarilhos recém saídos do deserto bebem água. Walter dormiu mais cedo que o de costume naquele dia.   

       


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Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem Puder #11 – Banheiro de clube

Na vida temos momentos bons e momentos ruins. É comum encontrar pessoas que acreditam que ela é de fato toda ruim. Acreditam também, que nunca deveríamos ter saído do aconchego do ventre materno e que o ideal era mesmo boiar por toda nossa existência no útero de nossas matriarcas. Os demais dípodes oriundos dos símios acreditam que nossa presença no universo é um erro e que devíamos tê-lo deixado vazio e em paz. Ele era mais feliz assim. Fato é, que a vida é conturbada e em sua totalidade é, desnecessariamente porém extremamente, confusa. Além de sofrida e demasiadamente doída. Nela, assim como no banheiro de clube, presenciamos cenas de horror, passamos por torturas e acabamos agilizando todo o processo na esperança de que tudo acabe de forma abreviada e gentil.

Ao entrar no banheiro de um clube, nunca sabemos o que esperar. Confiantes sempre esperamos o melhor:  O recinto vai estar vazio, ou então com seres humanos mais comportados. Também temos a inocência de aspirar por uma experiência rápida, indolor e que o aroma seja no mínimo respirável. Já que esperar por um aroma que não causa náuseas em um lavabo comum seria uma demonstração de ignorância. Mais uma vez a esperança é a arma de nossa destruição, ao adentrar na casa de banho o que acontece é frustração, olhos dormentes e ardidos e pulmões repletos de um aroma desagradável que é quase exatamente igual, porém ligeiramente diferente a um grande pote de estrume.

Você mal cabe no vestiário. Todos os urinóis lotados, as privadas devidamente ocupadas em seu dever de enviar longos e extensos faxes. (E quando estão vazias, sempre guardam um presentinho) Além do inebriante aroma que rege o recinto, que certamente se origina de defuntos em decomposição. E, é claro, a primeira experiência que você presencia é um idoso(a) nu(a) a desfilar! Não porque você gostaria de examiná-lo, ou porque algumas partes de sua frouxa genitália chamam atenção ao quase tocar o chão. Mas sim, porque ele simplesmente atravessa o banheiro em sua direção, lava as mãos, o rosto, arruma o cabelo e ainda passa pela balança próxima a saída. Suas vestimentas lhe aguardam tranquilamente a uns cinquenta metros de distância.

No toalete, quando sua vontade é a de enviar um fax para os países baixos não há latrinas disponíveis. Se o problema é aliviar a água do joelho, os locais apropriados estão ocupados. Só pretende trocar de roupa e guardar seus pertences, não tem lugar. Tudo está ocupado e nada é possível. Nos chuveiros encontramos o reino dos idosos(as) nus(as) a desfilar. Também temos jovens nus a desfilar, e alguns nem tão jovens assim. Um acontecimento igualmente desagradável de ser testemunhar. Na minha humilde e primorosa opinião, só devemos ver um corpo desnudo com a devida autorização de seu dono(a) e com nossa própria aceitação e/ou vontade. O mesmo vale para nossos próprios corpos. Para muitos isso não faz sentido e é uma grande bobagem, afinal, quem sou eu para dizer algo a respeito de meu próprio corpo e/ou do que quero ou não quero presenciar.

E assim também acontece na vida. Tudo o que queremos, não conseguimos. As pessoas que amamos não nos amam, o sucesso e satisfação pessoal é tão distante que parece inacessível. Tão longe que a chance de atingi-los é a mesma de não encontrar uma pessoa de idade desnuda a perambular nas estranhas casas de banho de clubes. O objetivo da ida ao banheiro compartilhado têm o propósito de nos lembrar que nada é fácil, toda conquista vêm de luta e que nos momentos de dificuldades as vezes precisamos fechar os olhos, prender a respiração e seguir em frente. Um aprendizado para a vida.

Nesse carteado, de cartas marcadas maltrapilhas e incompletas onde sair com uma mão decente é impossível que chamamos de vida, é provável que o caminho seja fazer assim como fazemos nos vestiários de clubes. Encarar de frente os problemas, decepções e as desilusões, mesmo que para isso seja necessário abrir mão de sua visão e interromper a troca de oxigênio de seus pulmões.

Vale lembrar que existe a opção de respirar fundo, segurar e tentar resolver o “problema” em casa.

Mas qual a graça disso?

Bjundas


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Salve-se Quem puder #10 – Carnaval é aprendizado

“Pior do que tá não fica!” A mas fica, fica sim. Sou a prova viva disso, aliás, todos nós bípedes descendentes da ordem dos primatas somos. Na ânsia de acreditar que um dia vamos conseguir ser felizes, acabamos nos esquecendo de que nos raros momentos em que a felicidade é encontrada ela é efêmera. Na busca incessante pela alegria tudo o que conseguimos é causar dor, tristeza e infelicidade uns nos outros. E, principalmente, para nós mesmos. Uma das consequências mais graves e severas causada por essa perseguição implacável que aflige a nossa existência, são as excessivas comédias românticas que tanto nos auto-obrigamos a assistir e chorar discretamente acreditando no amor. (Essas são na realidade as verdadeiras ficções científicas.)

Sendo assim, o rabugento Grinch que vive dentro de nós é o grande responsável pela a auto-sabotagem de nossa própria felicidade. Como, para a maioria das pessoas, encerrar sua vida com as próprias mãos parece excessivo, as mais comuns formas de lidar com toda essa situação é bebida, sexo e droga. E é aí que entra o carnaval.

O carnaval é a prova mais incontestável de que a felicidade é passageira. Não que ele seja ruim, não é. Ruim é só o ser humano mesmo. A real verdade, é que seria bem bom se o carnaval fosse eterno. Bom até demais. Mas assim como o amor verdadeiro, ele acaba. Existem tentativas de prolongá-lo, esticá-lo e tornar a coisa toda cotidiana, mas nunca acaba bem. Geralmente em brigas, acidentes de trânsito e depressão. E é aí que está o problema, não temos que prolongar o carnaval, temos que aprender com ele. Nele bebida quente, é bom. pular/andar/correr no sol escaldante é bom. (O mesmo pode ser dito para os momentos de tempestade.) Pegar pessoas em estados normalmente não aceitáveis, muitas vezes em situação deplorável, é bom. E ali, é um dos lugares que mora a felicidade.

Mas um dia a vida volta ao normal. E como nós, os habitantes abestados desse dispositivo eletrônico obsoleto e antiquado eternamente travado e sem bateria que chamamos de vida, não guardamos em nossas mentes tolas o sábio ensinamento do carnaval e a tristeza volta a reinar. Como somos deprimidos no cotidiano buscamos na esperança a salvação. Passamos a dizer uns para os outros, tudo vai melhorar! Mas não vai. E não melhora. A esperança é a grande arma do maléfico Grinch que habita nossos corações.

O que o sábio carnaval realmente quer nos ensinar, é que se tudo que poderia vir a ser ruim é na verdade bom, tudo está certo. Se o que é ruim é bom e nossa existência é em sua maioria é ruim, deu bom. Porque não trazer isso para nosso dia-a-dia? Devíamos parar de dizer coisas como: “Pior do que tá, não fica!” e aceitar que: “Quanto pior, melhor!”. Perdeu o emprego? Que beleza! Foi feito de trouxa? Maravilha! Levou um soco no coração? Esplêndido! Você vive na calçada só tem uma caneca e um cachorro e ele te troca por uma moita mais carismática? Aí sim, deu bom! Se a tristeza é uma certeza, quando ela chega ficamos felizes, satisfeitos e com a sensação de missão cumprida. Nós podemos e devemos nos enclausurar voluntariamente e de forma hiperbólica nesse looping ilógico.

Pronto. Solucionamos boa parte dos problemas dos habitantes do facebook. Os seres que habitam o instagram não sofrem desse problema, eles tem sua própria forma de lidar com a infelicidade. Que é simples e parece funcionar. É a simulação momentânea e constante do regozijo.

Então, seguimos aguardando pelo pior e assim seremos felizes. Porque a tristeza nem tarda e nem falha.

“Tristeza não tem fim, felicidade sim…” Tom Jobim e Vinicius de Moraes

Eu amo o carnaval.

Bjundas


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Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem puder #09 – Tiozão

Um dia vão escrever um filme sobre um garoto, que ao chegar aos trinta percebeu que ele não conquistou tudo o que idealizou, mas que sim, conquistou tudo o que ele precisava. Esse garoto não sou eu. O filme sobre minha vida é na verdade uma comédia fraca e sem graça onde tudo o que pode dar errado, dá. Nele o que realmente prevalece é a zueira.

E o dia chegou. O marco decisivo, incisivo e miserável, o rito de passagem que todo bípede masculino descendente da ordem dos primatas têm que se submeter. O fim chegou. Muitos tentam fugir, correr e desviar desse acontecimento lazarento, mas as tentativas são inúteis. Não há escapatória. A única forma de se evitar este rito é a morte antecipada e juvenil. E como, para a maioria das pessoas, essa não é uma opção viável, métodos comportamentais foram desenvolvidos para tentar amenizar esse desagradável acontecimento. Estou falando da chegada dos trinta. Conhecida mundialmente como o rito de passagem de um jovem garoto feliz e promissor para um tiozão infeliz e fracassado. É pessoal, deu ruim.

E aqui me encontro, o fim está próximo. Hoje completo trinta anos de existência nesta monstruosa conspiração, com o objetivo de  impedir todo e qualquer tipo de realização, que chamo de vida. Realmente é uma época brutal de se viver. E os métodos de superação desenvolvidos para este grande trauma obrigatório na vida de um homem, basicamente consiste em gastar enormes quantias em automóveis de luxo e/ou consumir exorbitantes quantias de álcool. Porém não me conformei com a chegada do fim, e resolvi comprovar que completar os trinta não é tão ruim assim. Então, o tiozão aqui enumerou três metas que comprovariam, caso uma ou mais delas fossem atingidas,  que a chegada aos trinta não foi um fracasso. (Difícil, mas vamos lá.) Bem o Sunça de quinze anos diria que nessa altura do campeonato uma dessas metas deveria ter sido alcançada:

  • Constituir família
  • Ficar extremamente rico
  • Sucesso e fama profissional (Seja como publicitário ou como cartunista e/ou qualquer outra coisa)

E hoje, primeiro de novembro de dois mil e dezesseis, posso afirmar com certeza e confiança de que não conquistei nenhuma das opções anteriores. Mediante a essa realidade resolvi, assim como o amigo Indiana Jones, dobrar as mangas e partir para ação.  Vou conseguir uma esposa, dinheiro e sucesso e se tudo falhar tenho uma cartada final, genuína e decisiva, vou correr para os braços de minha mamãe e chorar as pitangas em uma extensa sessão de terapia materna.

Então esse ex-pimpolho, uma vez conhecido como um garoto cheio de ideias mirabolantes e planos fantasiosos, agora um tiozão, conhecido como um idoso de idéias falhas e planos não conquistados, pegou seu chapéu, seu fiel companheiro o Bilau e partiu para uma (des)incrível aventura para tentar mudar o desfecho de sua triste existência. (Não sei porque mudei para terceira pessoa neste parágrafo, mas prometo voltar ao normal no próximo. Afinal, sou eu mesmo falando de ieumesmis.)

Constituir família. Isso parece inviável para um rapaz que foge de relacionamentos como Bandit Darville foge da polícia e que, neste momento, está namorando todo mundo. Na verdade o mais próximo de um relacionamento saudável e duradouro que cheguei é meu bromance com o Bilau.  Sendo assim, só me restou uma opção, recorrer aos amigos Gary Wallace e Wyatt Donnelly e utilizar seu supercomputador milagroso para encontrar a parceira perfeita. Depois de uma longa conversa com meu confidente Bilau, estava certo de que a mistura entre Jennifer Aniston, Margot Robbie, Marina Ruy Barbosa, Rosario Dawson, Cleo Pires e a Princesa Jamine era a ideal. E realmente, eu estava certo, uma das mulheres mais bonitas que já vi, magicamente surgiu na minha frente. Forte, empoderada e segura de si. E como não estamos mais nos machistas anos oitenta, o magnífico exemplar feminino que alegrou momentaneamente minha existência, se tocou que as mulheres são donas do próprio corpo e muito melhor do que os homens e chegou a conclusão de que era um mulherão e areia demais para meu fusquinha. Em suas próprias palavras:

Té mais Tio!

Deu meia volta e foi embora (Bebendo sua sukita) ser dona de sua própria vida. Doeu? Doeu! Mas segui em frente, ainda me restavam duas opções. Liguei para o amigo Josh Baskin que quando ficou grande conseguiu unir seus gostos pessoais ao sucesso profissional, pedi dicas e uma oportunidade de trabalho. E não é que ele me ajudou, me dei bem na loja de brinquedos. Minhas ideias criaram toda uma nova gama de produtos, fui considerado um visionário. O único problema é mais da metade de toda minha renda era gasta com os próprios brinquedos que eu criava, que eram muito divertidos, mas extremamente caros. A outra metade do dinheiro gastava na vida boêmia, eu Ferris Bueller e Cameron Frye curtiamos a vida adoidado. Gastando mais do que podia e tirando mais “days of” do que o necessário acabei me endividando, perdendo meus bens e fui mandado embora sob ameaças. Durante a demissão meu ex chefe dizia:

– Você se sente com sorte, pivete?

Mas assim como John Rambo, sou um sobrevivente. Aprendi com Rocky Balboa a não desistir, a receber as pancadas da vida e seguir em frente, então juntei meus cacos e parti para minha última e derradeira opção, até porque não posso me estender mais. Esse conto já está parecendo uma história sem fim. Pensei em pedir ajuda para o Beetlejuice mas isso é sempre perigoso, e com a morte do senhor Miyagi um treinamento para o sucesso parecia distante. Então me dei conta de que com a ajuda de Marty McFly e Doc Brown eu podia mudar meu infeliz destino. É caro viajar no tempo e seguindo o conselho de Arthur Dent, peguei o delorean emprestado com a promessa de depositar uma grana na conta do Doc assim que chegasse no ano de 2001, quinze anos depois o dinheiro teria rendido bem. Parti então para o passado com a intenção de instruir melhor o Sunça de quinze anos para assim mudar meu futuro. Fez sentido? Não, neh. Mas assim como os Gremlins, muitas coisas na vida não fazem sentido.

Pois bem, cheguei no ano de dois mil e um e fui encontrar o Sunça de quinze anos na banca de revistas onde eu costumava esperar minha mãe depois da aula. E lá estava, o pequeno Assumpção de camisa do Galo, um gibi do Frauzio na mão e um albúm do Lucky Luke debaixo do braço. E aquele pimpolho promissor logo me reconheceu.

 Você é quem eu penso que você é? Diz o garoto.

– Creio que sim. Respondi

– Legal tio, me vê um churros então.

– Churros? Eu não vendo churros…

– Uai?!? Você não falou que era você?

– Não. Eu sou você!

– Entendi. Disse Sunçazinho desinteressado e pegando uma hq do Homem-Aranha.

– Eu sou o Assumpção e vim do futuro para guiar-te. Disse com veemência.

– Para o quê?

– Te guiar. Respondi.

– Não! Guaio…. Hahahaha Proliferou o jovem aos risos.

– Sério mesmo?  Eu falei incrédulo.

– Hahaha… Mas diz aí tio, quem é você?

– Eu sou você com 30 anos.  

– Ham ham. Beleza.

– Não, é verdade. Eu sou você!

– Prova! Contestou o moleque.

– Você é apaixonado pela Jennifer Aniston, queria ser o Homem-Aranha, gasta muito tempo assistindo Cartoon Network e pensa o tempo inteiro no Galo.  

 Todo mundo sabe disso. – Desdenhou o menino – O que você faz?

– Sou apaixonado pela Jennifer Aniston, acho que ainda existe a chance de um dia me tornar o Homem-Aranha, gasto muito tempo assistindo desenhos no Netflix e penso o tempo inteiro no Galo.

– Ok. Faz sentido! – Acreditou o pimpolho – E o que você quer comigo?

– Te instruir, para que nosso futuro seja melhor!

– Muito bom! E como vai nossa esposa e filhos.

– Não temos.

– E nossas hqs e comerciais de sucesso?

– Não temos.

– Somos ricos pelo menos?

– Não.

– E é você que vai me instruir?

– Ok. Faz sentido. Reconheci envergonhado.

– Tudo bem, te dou uma chance. Me diz aí como somos no futuro?

Resolvi que seria uma boa ideia dar um panorama geral a mim mesmo antes de partir para os conselhos e planos futuros. Quando disse que não tínhamos constituído família e que nosso relacionamento mais longo e duradouro era com um cachorro de plástico (Que ele iria conhecer daí a quatro anos), ele compreendeu.  Ao saber que não atingimos o estrelato com nossos quadrinhos e nossas propagandas também foi paciente. Escutando que o pouco dinheiro que ganhamos, gastamos com aluguel, cerveja, pinga e quadrinhos ele aceitou ainda tranquilo. Lhe disse que sabia que ele queria mudar o mundo, mas que o mais próximo disso que chegamos foi fazer tiras sobre um bêbado que acha que é um super-herói, ele relutou, mas ainda assim se conformou. Pensei então em partir para nossa tática para melhorar o futuro, mas ele quis fazer algumas perguntas antes e infelizmente nunca chegamos a nossos planos.

As respostas para as perguntas foram demais para o pobre garoto. Quando descobriu que não me tornei o Clint Eastwood, não conheci o Johnny Cash nem fiquei amigo do Adam West, ele surtou. E sem perceber que o Sunça de quinze anos estava prestes a estourar, soltei um “Finish Him”. Falei que não vivia no universo de Debi & Loide e que estava longe de me tornar o Homem-Aranha. Essa foi a gota d’água. E no melhor estilo Buddy Revell prometeu me pegar na porrada lá fora. Não tive outra opção, piquei a mula rapidamente e nem tive tempo para dizer “I’ll be back”. Voltei para dois mil e dezesseis. E na falta de um clube dos cinco que rolasse um conta comigo no estilo goonies, resolvi que assim como Roger Rabbit eu estava melhor sozinho, afinal sou duro de matar. Parei de procurar por assombrações do passado/presente/futuro, mesmo sendo o mais perto que já cheguei de ser um Caça Fantasmas, e vim tomar uma no Seu Romão. (De onde lhes conto os recentes acontecimentos)

E foi assim que cheguei onde estou. Trintão, tiozão. Deu ruim. (Mãe, se a senhora estiver lendo meus lamentos, mais tarde passo aí em casa para um lanche/terapia.)

Bjundas

Obs.01 Você jovem ainda não pegou nenhuma das referências neh?!? Viu como estou velho!

Obs.02 Agora tiozão sou obrigado por contrato a fazer a piada do pavê ou pra comê pelo menos uma vez por dia.

Obs.03 A barriga de chopp não é obrigatória, porém é muito usual.


Ministério do sarcasmo adverte:

Acreditar e/ou levar a sério informações desse texto é um atestado de bestialidade.


O autor:

Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem puder #08 – Feriados são efêmeros

A felicidade é algo tão longe e inalcançável para nós, homens e mulheres humanos, que, em nossa incapacidade de percebê-la em nossa práxis diária somos ludibriados, por nós mesmos, a pensar que ela não existe ou não quer saber da nossa existência, ou ainda que casou mudou e não nós convidou. E temos a certeza de que ela migrou para o fim de semana e que casou com nosso vizinho(a).

Para a maioria dos primatas é no sábadabado e domingo onde podemos nos deleitar em satisfação praticando uma inatividade ociosa. Muitos dizem que os demais dias da semana de nada servem e que deveriam ser abolidos de nossas vidas fajutas, junto com o trabalho, o esforço e os demais elementos que engrandecem o homem. Afinal, de que serve ser uma pessoa melhor se no fundo não estamos nem aí para a sociedade e para o mundo, a única coisa que importa é que nosso respectivo time seja campeão no Brasileirão. Importa também, ingerir colossais quantias de álcool antes, durante e depois das partidas. Saber o placar, quem jogou bem ou até qual seu nome e onde você mora são questões triviais. O importante mesmo é gritar a esmo como um louco completamente embriagado no néctar dos deuses que é a cerveja gelada. Que para muitos é também um dos locais onde reside a felicidade.

Então trabalhamos a semana inteira. Acordamos cedo e nos arrastamos para nossos respectivos trabalhos, enchemos nossas fuças de café e nos alimentamos com balas e salgados. Em meio a tudo isso analisamos freneticamente e cuidadosamente nossos telefones celulares enquanto trabalhamos vagarosamente e displicentemente. Tudo isso com um sol tórrido em nossas cabeças no clima abrasador de nossos escritórios. E tudo vale a pena. Precisamos do dinheiro para o sustento do deleite da felicidade que acontece no fim de semana, normalmente chuvoso, frio e inerte. O que é injusto e cruel. Nessa motoneta enguiçada remendada e provavelmente sem reparo que chamamos de vida, tudo o que queremos (ou que pensamos querer) é, ou parece ser, inatingível. Então como nós bípedes da ordem dos primatas não encontramos a felicidade na mesmice dos finais de semana fizemos o que costumamos fazer com nossos problemas, nossos sentimentos e nossos entes queridos quando estão demasiados longevos em sua vivência. A transferimos de local.     

E sua nova morada foi o feriado, ali é onde mora a felicidade. O feriado tem a capacidade de estender o fim de semana e, quando bem sucedido, pode ampliá-lo em até dois dias. Nele não existe o marasmo do final de semana, podemos  nos deleitar em satisfação praticando as mesmas inatividades ociosas. Também conseguimos satisfatoriamente encher o bucho de álcool, tanto quanto em qualquer dia em que costumamos frequentar nossos tão estimados botecos (Normalmente semanalmente, obrigatoriamente, de quinta-feira a domingo. Os demais dias são opcionais). Podemos dormir, comer e assistir tv como em qualquer outro dia, mas com um gozo especial já que de fato ali podemos e encontramos a felicidade. Aproveitamos tudo até nossa existência seguir seu rumo normal e cotidiano e perceber mais uma vez que continuamos infelizes. Fazendo como sempre as exatas coisas que nos deixam extremamente malcontentes, a única diferença é que executamos tudo mais embriagados que o normal (Na tentativa usual e cotidiana de encontrar satisfação na garrafa de pinga) e com a sensação de que tudo passa e acaba rápido demais. Como já diria o esperto e sábio Tom Jobim, “Tristeza não tem fim, felicidade sim…”. Atravessamos nossa existência tristes e alcoolizados em buscas dos feriados que são velozes e passageiros. Ironicamente quanto maior o feriado mais acelerado, vide as malditas férias que vêm e que passam tão rápidas quanto nossos breves relacionamentos amorosos, enquanto que a vida segue firme e forte como uma vaca gorda entalada em uma cerca no meio de um pasto maltrapilho e enlameado.

Feriados são efêmeros.

Bjundas  


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O autor:

Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem puder #07 – Coitado do Fantasma

Coitado do fantasma. Vagar sozinho pela eternidade na pós existência sem saber o que fazer, quem é ou até mesmo qual seu objetivo/lugar/papel nesse mandato conturbado que sofre um processo de impeachment constante, também conhecido como vida (no caso pós vida), não é fácil. E o pior é que uma vez expostos as manifestações de tal criatura nunca mais somos os mesmos. E ainda assim é ele quem sofre com isso. É interessante como o pós vida amofina a mente humana e extremamente irônico que durante toda nossa existência não conseguimos pensar em outra coisa. Nossa preocupação e interesse mórbido na pós existência é tamanha que até mesmo maldizemos, maltratamos e matamos uns aos outros por termos diferentes teses sobre o que acontece por lá. E acabamos descontando no coitado do fantasma, que apenas quer entender o que é, e o que afinal de contas está rolando por lá. Já que tudo parece igual, ele sente a mesma coisa e têm até as mesmas dúvidas.

Na tentativa de explorar o pós vida as almas penadas tentam construir e tocar suas vidas eternas na esperança de que um dia tudo vai ser explicado. Em seus primeiros passos póstumos tentam aprender a manusear e controlar o ambiente ao seu redor e depois tentam se comunicar. Acredito que seja muito difícil encontrar outras assombrações, logo apelam para a comunicação com os vivos. A partir daí a locomoção passa a ser o foco, a busca por um corpo material também. E na sequência conquistar a casa própria, depois sonham encontrar um outro espectro com quem possam compartilhar todas as suas conquistas e o resto de sua eternidade. E quem sabe, juntos um dia entender qual o objetivo da vida, do universo e tudo mais. Infelizmente, todas essas tentativas são entendidas completamente errada por nós, os bípedes vivos. Afinal de contas, estamos mais preocupados em saber quem somos, o que devemos fazer e qual nosso objetivo/lugar/papel. E isso tudo leva tempo, dinheiro e uma extrema capacidade de não se importar com mais ninguém além de você mesmo sua família e seu telefone celular. Então seguimos nossa existência ignorando as demais, principalmente se a outra existência em questão é diferente da nossa ou teve um vivência diferente da nossa. Isso porque se ela têm uma opinião diferente da nossa não só a ignoramos como a devidamente taxamos de idiota, ignorante e não estudada. E nas raras vezes em que percebemos outra existência, como a do fantasma, ela é extremamente mal compreendida. O que pessoalmente, considero uma grande injúria.  

Quando as almas penadas aprendem a manusear e controlar objetos e o ambiente ao seu redor não ficamos orgulhos e satisfeitos, e sim amedrontados com a sua levitação e movimentação aparentemente aleatórias. Quando tentam se comunicar e não são confundimos com uma interferência, sentimos um terror gélido debaixo de nossa pele ao ver o rádio sintonizar sozinho. Ao nos hipnotizar e utilizar com o simples objetivo de se locomover e ter um corpo material, fugimos aterrorizados dos humanos possuídos, ou então impomos a eles estranhas sessões/tratamentos com estranhos assessórios/ferramentas, tudo isso para consertar um estranho comportamento e acabar com a possessão. E quando depois de muita luta, depois de uma longa pós vida de conquistas e trabalho árduo, o fantasma conquista sua casa própria, normalmente gritamos, esperneamos, borramos nossas calças e fazemos de tudo ao nosso alcance para os despejar de sua morada. Existem empresas e entidades que ganham exorbitantes quantidades de dinheiro fazendo e/ou oferecendo esse tipo de serviço, um bom exemplo são Os Caça Fantasmas e/ou os irmãos Winchester. E quando tudo isso acontece ao mesmo tempo damos o nome de “Casa mal assombrada”. Quanta ignorância.

Ao meu ver, todos devem ser respeitados. Principalmente os mais velhos e os seres que já se foram e que retornaram ao nosso mundo apenas para tentar entender o sentido de tudo isso ou simplesmente porque não tinham nada melhor para fazer. Se eu fosse um ser ectoplasmático vagando por esta dimensão, me sentiria completamente injuriado por este termo e pelas demais constatações dos humanos vivos. Até porque, se consideramos que todas as nossas constatações, erradas e preconceituosas, estão certas. O termo ainda assim não se aplica e se demonstra plenamente inexato. As casas não seriam mal assombradas, e sim bem assombradas, já que de forma satisfatória e talentosa o assombro amedrontaria a residência. Talvez seja esse o objetivo de morte e pós vida de uma alma penada, nos mostrar que não devemos taxar tudo e todos e que sim, talvez a existência seja mais legal e produtiva quando percebemos as demais existências.

Deixa o fantasma em paz.

Bjundas


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Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem puder #06 – O Chuveiro e o Sucesso

Na hora do banho, assim como na vida, o ser humano mantêm um de seus comportamentos mais comuns e cotidianos, sua busca implacável e interrupta pelo sucesso. Ser bem sucedido é de crucial importância para nós, somos capazes de tudo ou quase tudo para atingir esse status. Nossa vida (E o que fazemos dela), nossas ações (E como as escolhemos), nossos sentimentos (Como os entendemos/escolhemos/fingimos) e nossos auto-enganos, são pautados por essa procura. O chuveiro sabe muito bem disso, ele se esforça para nos dizer que essa caçada excessiva pelo sucesso não deveria afetar nossa saúde corporal e nossa saúde mental, ele também tenta demonstrar que o máximo que conseguimos com essa perseguição implacável é nos queimar, machucar e um grito frustrado devido a um arrepio gélido que sobe por toda nossa coluna. Os chuveiros sabem das coisas.

É claro que não percebemos isso. Durante um agradável e demorado banho estamos preocupados com os problemas de nosso dia, normalmente causados pela busca incessante do sucesso, estamos preocupados com as contas que temos que pagar, que são extremamente altas e exorbitantes e ironicamente esse tipo de banho demorado e relaxante tão comum em nosso cotidiano é um extremo agravante delas, além de desperdiçar água e energia recursos importantes para nosso planeta. Mas esse tipo de informação é exatamente a que nossos cérebros primatas preferem deixar passar despercebidas. (Muitos entendem o banho como um momento de onanismo, especialmente os adolescentes, mas isso só gera mais desperdício e situações constrangedoras.)  Enquanto nos preocupamos com nossa própria existência o chuveiro se esforça para nos mostrar que estamos encarando a vida de forma errada, e que o caminho que seguimos leva a infelicidade e a frustração. E por um fricote antipático desse game over em looping que chamamos de vida e por sermos seres obtusos na preocupação com o próximo e com o ambiente em que vivemos, essas mesmas tentativas do chuveiro são entendidas por nós como uma falha mecânica/técnica o que nos causa infelicidade e frustração.

Quando estamos no banho utilizamos nossa concentração e habilidade máxima para atingir a temperatura ideal da água. Parece fácil, mas é uma atividade extremamente complexa e para alguns impossível. Girar milimetricamente a torneira de um lado para o outro ou então tentar encontrar a sintonia perfeita entre a torneira de água quente e a da água fria é uma etapa que consome grande parte do tempo destinado ao banho, e quase sempre culmina em uma grande e humilhante derrota. Sempre comemorada por gritos histéricos e agonizantes quando atingidos pela água gélida e/ou gritos de dor e tortura quando atingidos pela água tórrida. É uma atividade que demonstra bem como estamos quase sempre próximos do sucesso e que quando estamos prestes a conquistá-lo fracassamos miseravelmente. Vale ressaltar que muitas vezes fracassamos pelo excesso de tentativa, uma vez que já estamos com a temperatura da água agradável. Só que queremos sempre mais e melhor. Nossa busca pelo sucesso nunca termina e consequentemente nossa infelicidade e nossos banhos gélidos e/ou tórridos também não.

Essa é a nobre criatura que conhecemos como chuveiro. Ela passa o dia esperando pela oportunidade de ser utilizada, esperando para exercer sua função e se possível ser bem sucedida em sua existência. Porém esse nobre ser troca tudo isso por uma inútil oportunidade de tentar nos fazer repensar nossas vidas, atitudes e objetivos. Um banho pode ser relaxante, pode ser frustante, mas pode e deveria ser um aprendizado de vida. Encontrar a temperatura ideal de um bom banho é saber que nem sempre temos controle sobre nossas próprias vidas e que nosso sucesso não deve ser medido pelo o oque achamos que queremos mas pela temperatura que conseguimos calibrar para nosso descanso e relaxamento. Tudo dentro de um tempo aceitável, evitando excessos e desperdícios. Até porque o chuveiro também merece descanso e como não é atendido por leis trabalhistas acaba na maioria das vezes sendo escravizado, mas nunca desiste de tentar passar sua mensagem e nos tornar pessoas melhores. Como são ingênuos.

Bjundas


Ministério do sarcasmo adverte:

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Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.