Sunça no Cinema – Coringa (2019)

O comediante falido Arthur Fleck encontra violentos bandidos pelas ruas de Gotham City. Desconsiderado pela sociedade, Fleck começa a ficar louco e se transforma no criminoso conhecido como Coringa.

122 min – 2019 – EUA

Dirigido por Todd Phillips. Roteiro de Todd Phillips e Scott Silver. Com: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, Shea Whigham, Bill Camp, Glenn Fleshler, Leigh Gill, Josh Pais, Sondra James, Douglas Hodge, Dante Pereira-Olson, Hannah Gross, Brian Tyree Henry, Gary Gulman e Marc Maron.

“Coringa” nos apresenta uma Gotham City em crise no início dos anos oitenta. Estamos no meio de uma greve dos coletores de lixo, recessão econômica e uma população pobre que vive uma triste realidade repleta de dificuldades. Assim Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) se esforça para sorrir em meio a um mundo que parece não lhe dar motivos para isso. Logo no início acompanhamos Arthur ser atacado e tomar uma surra sem motivo algum, ser maltratado por pessoas em seu cotidiano e vemos sua vida em ruínas seguindo de mal a pior. Isso nos faz sentir pena do protagonista e inicia a construção de uma empatia que aliada ao fato de acompanharmos a trama pelos olhos de Arthur, pode gerar mais adiante no espectador a aceitação do errado. Porém, ao decorrer do filme, fica claro que o ponto de vista de Fleck não é confiável, e, apesar da obra não legitimar as atitudes ruins do Coringa, podemos sim ter essa sensação. E isso é perigoso. As ações do Coringa são erradas, egoístas e injustificáveis. Não há como defender a violência. 

Arthur Fleck trabalha como palhaço para uma agência decadente. É um homem de meia idade que vive e cuida de sua mãe, e em seu tempo livre busca uma carreira como comediante.  Após ser demitido e ver seus esforços para manter seu equilíbrio psicológico serem em vão. Suas sessões com uma assistente social e seus medicamentos sofrem cortes de verba pública e são terminados pelos políticos locais. Fleck culpa os ricos e poderosos por sua situação, personificados na figura de Thomas Wayne (Brett Cullen), e começa a ficar louco até se transformar no personagem título. 

A direção certeira de Todd Phillips sempre em equilíbrio com o roteiro, escrito pelo diretor e por Scott Silver, criam um elaborado estudo de personagem, com arcos dramáticos bem estabelecidos e construídos. A montagem e fotografia de “Coringa” ambientam uma Gotham suja e decadente. A obra segue um ritmo contemplativo, gera uma imersão e um suspense contínuo. É um belo trabalho estético que fortalece a ideia da luta de classes, pobres que vivem literalmente na sarjeta, compartilhando as ruas com super-ratos e os ricos que ocupam a política, os grandes edifícios e a mídia. Manipulando a verdade a seu gosto e tirando proveito de suas posições privilegiadas enquanto ignoram o resto da sociedade. Em meio a isso temos Arthur, um homem instável à margem da sociedade. Fleck usa roupas sóbrias, está sempre cercado de tons pastéis e retratado em ambientes escuros e opressores. O que é importante para valorizar sua mudança ao se tornar o famoso vilão. Que usa tons quentes e mais chamativos. Phillips escolhe retratar Fleck sempre atrás de grades, portões e barras. Seus cenários empilhados e azulados são prisões que contrastam com o branco iluminado na cena final do longa. A escadaria que Fleck sempre sobe com dificuldade, peso e com suas roupas pastéis, representa bem a dificuldade com que ele segue sua vida. Não é atoa que também é palco de uma dança libertária enquanto a desce, com suas novas vestimentas com cores vivas e chamativas. 

Joaquin Phoenix é um ator brilhante, presente em quase todas as cenas do filme, ele traz uma fisicalidade incrível para o personagem. Um trabalho de voz, corpo e expressão que impressiona. Fleck está sempre de ombros arqueados têm um andar penoso e pesado e sua figura tem uma magreza crua que mostra que algo está errado com aquele corpo. Na medida em que acompanhamos a transformação do personagem, sua postura muda ganhando ares de auto-confiança. Sua gestualidade passa a ter posturas poderosas até chegarmos ao momento final, onde um contra plongée exibe o poderoso Coringa. Assim como Arthur, sua risada também não se encaixa. O protagonista sofre de um distúrbio psicológico que o faz rir em momento inoportunos. Uma risada doída e incontrolável. Outras variações também se fazem presentes, risadas naturais, artificiais, sociais e sempre reforçando o estado de espírito do personagem e ajudando na construção do seu “eu”. Fleck se entende e se constrói à nossa frente. Aos poucos vemos o personagem se soltar das “amarras” da sociedade, e de sua vida, e abraçar sua visão de mundo louca, perturbada e má.

Existem motivos pelos quais esse Coringa psicopata mata. Podemos sim entender suas escolhas e ações. O que não se pode é justificar. Arthur é louco e suas atitudes narcisistas, ele não representa uma anarquia ou um movimento contra os poderosos, o que ele quer é alimentar seu ego. Quer se sentir importante e ser notado pela sociedade. Enaltecer essa atitude e tentar justificar seu comportamento psicopata é perigoso. Mas discutir e tentar entender de onde surgem esses comportamentos é importante. Afinal é fácil apontar o dedo e culpar isso ou aquilo como motivação, difícil é reconhecer que somos todos culpados por não conseguir estabelecer uma sociedade mais justa e harmônica.           


Nota do Sunça:

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Sunça no Cinema – Cães de Guerra (2016)

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Baseado em uma história real, ‘Cães de Guerra‘ acompanha a história de dois amigos na casa dos 20 anos (Hill e Teller) que moram em Miami durante a Guerra do Iraque e descobrem uma iniciativa pouco conhecida do governo que permite que pequenas empresas possam participar de licitações de contratos militares nos Estados Unidos.

Partindo quase do zero, eles fazem muito dinheiro e passam a viver uma vida de luxo. Mas a dupla passa a ter problemas quando consegue um contrato de US$ 300 milhões para armar o exército afegão – que os coloca em contato com pessoas muito suspeitas, algumas das quais se revelam membros do próprio governo norte-americano.

115 min – 2016 – EUA

Dirigido por Todd Phillips, roteirizado por Stephen Chin, Todd Phillips e Jason Smilovic.  Com Miles Teller, Jonah Hill, Bradley Cooper, Ana de Armas e Kevin Pollak.

Todd Phillips é conhecido por suas boas comédias, suas narrativas normalmente absurdas e eficientes sempre tem peso e aproveitam bem as características naturais de seu elenco. Responsável pelos ótimos “Se beber não Case” e “Dias Incríveis” (vale uma menção também ao bom “Starsky & Hutch) em seu novo longa “Cães de Guerra”, nos surpreende com uma trama sóbria, ágil e bem humorada.  O diretor demonstra talento e versatilidade, apresenta um drama (dramédia), baseado em um história real,  interessante com ação, tensão e ritmo constante.

Dois jovens (Miles Teller e Jonah Hill) exploram uma iniciativa pouco conhecida do governo americano, onde pequenas empresas podem participar de concursos militares. Eles descobrem que existe um mercado lícito em expansão com a venda de armas para o exterior e decidem aproveitar. Os amigos vencem um desses concursos e recebem US$ 300 milhões para ajudar a armar um exército afegão. Miles Teller e Jonah Hill oferecem ótimas performances, Efraim (Jonah Hill) é confiante, decidido, sabe manipular as pessoas ao seu redor e é o protagonista de vários momentos engraçados no filme. O que não o impede de se tornar o vilão no final do longa. Depois de ficar algum tempo na Califórnia, onde era sócio de seu tio em um negócio de compra, em leilões, de armas apreendidas pela polícia, ele volta para Miami e monta sua própria empresa. E logo, ele coloca seu amigo David (Miles Teller) no esquema. A abordagem de Teller para o personagem também é boa nos faz entender seus motivos e chegamos até a torcer por ele. David é um massagista que está próximo de se tornar pai, e para conseguir dinheiro acaba se envolvendo com Efraim na venda de armas para a guerra no Iraque.

Diálogos bem humorados e um bom timing das cenas de ação garantem ao espectador diversão de qualidade, ainda que como uma crítica ao capitalismo e a busca excessiva pelo lucro seja superficial. Em vários momentos o filme dá uma alfinetada no ex-presidente Bush e na cultura armamentista dos EUA. É legal perceber que o filme nunca assume um posicionamento moral em relação ao seus personagens. “Cães de Guerra” é divido em segmentos apresentados por título que sempre é uma das falas presentes na sequência. (“Quando é que dizer a verdade sempre, ajuda alguém?”) Isso deixa a estrutura do filme interessante e nos coloca dentro da trama. Narração em off, tela congelada, câmera lenta são outros elementos que ajudam a levar a história adiante. A trilha sonora repleta de Rock’n Roll também é uma característica marcante.

Uma trama ágil e objetiva, com bons atores e uma história interessante. É um drama bem humorado que balanceia bem suas cenas cômicas com cenas de ação (bem filmadas), não aprofunda na crítica ao capitalismo e a busca excessiva pelo lucro, mas demonstra bem o lado mercadológico da guerra.

Nota do Sunça:

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