Salve-se Quem puder #10 – Carnaval é aprendizado

“Pior do que tá não fica!” A mas fica, fica sim. Sou a prova viva disso, aliás, todos nós bípedes descendentes da ordem dos primatas somos. Na ânsia de acreditar que um dia vamos conseguir ser felizes, acabamos nos esquecendo de que nos raros momentos em que a felicidade é encontrada ela é efêmera. Na busca incessante pela alegria tudo o que conseguimos é causar dor, tristeza e infelicidade uns nos outros. E, principalmente, para nós mesmos. Uma das consequências mais graves e severas causada por essa perseguição implacável que aflige a nossa existência, são as excessivas comédias românticas que tanto nos auto-obrigamos a assistir e chorar discretamente acreditando no amor. (Essas são na realidade as verdadeiras ficções científicas.)

Sendo assim, o rabugento Grinch que vive dentro de nós é o grande responsável pela a auto-sabotagem de nossa própria felicidade. Como, para a maioria das pessoas, encerrar sua vida com as próprias mãos parece excessivo, as mais comuns formas de lidar com toda essa situação é bebida, sexo e droga. E é aí que entra o carnaval.

O carnaval é a prova mais incontestável de que a felicidade é passageira. Não que ele seja ruim, não é. Ruim é só o ser humano mesmo. A real verdade, é que seria bem bom se o carnaval fosse eterno. Bom até demais. Mas assim como o amor verdadeiro, ele acaba. Existem tentativas de prolongá-lo, esticá-lo e tornar a coisa toda cotidiana, mas nunca acaba bem. Geralmente em brigas, acidentes de trânsito e depressão. E é aí que está o problema, não temos que prolongar o carnaval, temos que aprender com ele. Nele bebida quente, é bom. pular/andar/correr no sol escaldante é bom. (O mesmo pode ser dito para os momentos de tempestade.) Pegar pessoas em estados normalmente não aceitáveis, muitas vezes em situação deplorável, é bom. E ali, é um dos lugares que mora a felicidade.

Mas um dia a vida volta ao normal. E como nós, os habitantes abestados desse dispositivo eletrônico obsoleto e antiquado eternamente travado e sem bateria que chamamos de vida, não guardamos em nossas mentes tolas o sábio ensinamento do carnaval e a tristeza volta a reinar. Como somos deprimidos no cotidiano buscamos na esperança a salvação. Passamos a dizer uns para os outros, tudo vai melhorar! Mas não vai. E não melhora. A esperança é a grande arma do maléfico Grinch que habita nossos corações.

O que o sábio carnaval realmente quer nos ensinar, é que se tudo que poderia vir a ser ruim é na verdade bom, tudo está certo. Se o que é ruim é bom e nossa existência é em sua maioria é ruim, deu bom. Porque não trazer isso para nosso dia-a-dia? Devíamos parar de dizer coisas como: “Pior do que tá, não fica!” e aceitar que: “Quanto pior, melhor!”. Perdeu o emprego? Que beleza! Foi feito de trouxa? Maravilha! Levou um soco no coração? Esplêndido! Você vive na calçada só tem uma caneca e um cachorro e ele te troca por uma moita mais carismática? Aí sim, deu bom! Se a tristeza é uma certeza, quando ela chega ficamos felizes, satisfeitos e com a sensação de missão cumprida. Nós podemos e devemos nos enclausurar voluntariamente e de forma hiperbólica nesse looping ilógico.

Pronto. Solucionamos boa parte dos problemas dos habitantes do facebook. Os seres que habitam o instagram não sofrem desse problema, eles tem sua própria forma de lidar com a infelicidade. Que é simples e parece funcionar. É a simulação momentânea e constante do regozijo.

Então, seguimos aguardando pelo pior e assim seremos felizes. Porque a tristeza nem tarda e nem falha.

“Tristeza não tem fim, felicidade sim…” Tom Jobim e Vinicius de Moraes

Eu amo o carnaval.

Bjundas


Ministério do sarcasmo adverte:

Acreditar e/ou levar a sério informações desse texto é um atestado de bestialidade.


O autor:

Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.

Salve-se Quem puder #06 – O Chuveiro e o Sucesso

Na hora do banho, assim como na vida, o ser humano mantêm um de seus comportamentos mais comuns e cotidianos, sua busca implacável e interrupta pelo sucesso. Ser bem sucedido é de crucial importância para nós, somos capazes de tudo ou quase tudo para atingir esse status. Nossa vida (E o que fazemos dela), nossas ações (E como as escolhemos), nossos sentimentos (Como os entendemos/escolhemos/fingimos) e nossos auto-enganos, são pautados por essa procura. O chuveiro sabe muito bem disso, ele se esforça para nos dizer que essa caçada excessiva pelo sucesso não deveria afetar nossa saúde corporal e nossa saúde mental, ele também tenta demonstrar que o máximo que conseguimos com essa perseguição implacável é nos queimar, machucar e um grito frustrado devido a um arrepio gélido que sobe por toda nossa coluna. Os chuveiros sabem das coisas.

É claro que não percebemos isso. Durante um agradável e demorado banho estamos preocupados com os problemas de nosso dia, normalmente causados pela busca incessante do sucesso, estamos preocupados com as contas que temos que pagar, que são extremamente altas e exorbitantes e ironicamente esse tipo de banho demorado e relaxante tão comum em nosso cotidiano é um extremo agravante delas, além de desperdiçar água e energia recursos importantes para nosso planeta. Mas esse tipo de informação é exatamente a que nossos cérebros primatas preferem deixar passar despercebidas. (Muitos entendem o banho como um momento de onanismo, especialmente os adolescentes, mas isso só gera mais desperdício e situações constrangedoras.)  Enquanto nos preocupamos com nossa própria existência o chuveiro se esforça para nos mostrar que estamos encarando a vida de forma errada, e que o caminho que seguimos leva a infelicidade e a frustração. E por um fricote antipático desse game over em looping que chamamos de vida e por sermos seres obtusos na preocupação com o próximo e com o ambiente em que vivemos, essas mesmas tentativas do chuveiro são entendidas por nós como uma falha mecânica/técnica o que nos causa infelicidade e frustração.

Quando estamos no banho utilizamos nossa concentração e habilidade máxima para atingir a temperatura ideal da água. Parece fácil, mas é uma atividade extremamente complexa e para alguns impossível. Girar milimetricamente a torneira de um lado para o outro ou então tentar encontrar a sintonia perfeita entre a torneira de água quente e a da água fria é uma etapa que consome grande parte do tempo destinado ao banho, e quase sempre culmina em uma grande e humilhante derrota. Sempre comemorada por gritos histéricos e agonizantes quando atingidos pela água gélida e/ou gritos de dor e tortura quando atingidos pela água tórrida. É uma atividade que demonstra bem como estamos quase sempre próximos do sucesso e que quando estamos prestes a conquistá-lo fracassamos miseravelmente. Vale ressaltar que muitas vezes fracassamos pelo excesso de tentativa, uma vez que já estamos com a temperatura da água agradável. Só que queremos sempre mais e melhor. Nossa busca pelo sucesso nunca termina e consequentemente nossa infelicidade e nossos banhos gélidos e/ou tórridos também não.

Essa é a nobre criatura que conhecemos como chuveiro. Ela passa o dia esperando pela oportunidade de ser utilizada, esperando para exercer sua função e se possível ser bem sucedida em sua existência. Porém esse nobre ser troca tudo isso por uma inútil oportunidade de tentar nos fazer repensar nossas vidas, atitudes e objetivos. Um banho pode ser relaxante, pode ser frustante, mas pode e deveria ser um aprendizado de vida. Encontrar a temperatura ideal de um bom banho é saber que nem sempre temos controle sobre nossas próprias vidas e que nosso sucesso não deve ser medido pelo o oque achamos que queremos mas pela temperatura que conseguimos calibrar para nosso descanso e relaxamento. Tudo dentro de um tempo aceitável, evitando excessos e desperdícios. Até porque o chuveiro também merece descanso e como não é atendido por leis trabalhistas acaba na maioria das vezes sendo escravizado, mas nunca desiste de tentar passar sua mensagem e nos tornar pessoas melhores. Como são ingênuos.

Bjundas


Ministério do sarcasmo adverte:

Acreditar e/ou levar a sério informações desse texto é um atestado de bestialidade.


O autor:

Sunça é publicitário e cartunista. Mestre e doutorando em autossabotagem desde 1986.