Sunça no Cinema – Jungle Cruise (2021)

Jungle Cruise gira ao redor do malandro e brincalhão Frank Wolff (Dwayne Johnson), capitão do barco La Guilla. Ele é contratado pela Dra. Lily Houghton (Emily Blunt) e seu irmão McGregor (Jack Whitehall) para levá-los em uma missão pelas densas florestas amazônicas com a intenção de encontrar uma misteriosa árvore com poderes de cura que poderá mudar para sempre o futuro da medicina. No caminho, eles viverão inúmeros perigos, enfrentando animais selvagens e até mesmo forças sobrenaturais.Homem de Lata (Jack Haley) que anseia por um coração e um Leão covarde (Bert Lahr) que precisa de coragem. Será que o Mágico de Oz conseguirá ajudar todos eles?

127 min – 2021 – EUA

Dirigido por Jaume Collet-Serra e roteirizado por Michael Green, Glenn Ficarra, John Requa, John Norville e Josh Goldstein. Com Dwayne Johnson, Emily Blunt, Édgar Ramírez, Jack Whitehall, Jesse Plemons, Paul Giamatti, Veronica Falcón, Dani Rovira, Quim Gutiérrez, Andy Nyman.

“Jungle Cruise” é a nova tentativa da Disney de produzir uma franquia no estilo “Piratas do Caribe”. Ambas iniciativas foram criadas a partir de uma atração do parque que teve seus elementos expandidos e, ao seu redor, foi criado um universo mágico. A sequência está garantida pelo estúdio e a nova série foca na ação e aventura, com o enredo sobre caçadores de artefatos perdidos. Inspirado em clássicos como  “Tudo por Uma Esmeralda”, “Uma Aventura na África”, “A Joia do Nilo” e “As Minas do Rei Salomão”. A obra se constrói sobre um trio de protagonistas com a dinâmica de “A Múmia”, um vilão alemão estilo nazista que também está atrás do objeto em questão. Assim como em “Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida”. Tudo isso em um mundo mágico cheio de lendas, mistérios e inimigos amaldiçoados. Seguindo o caminho de “Piratas do Caribe”. 

Lembrar e se inspirar em filmes do gênero não é necessariamente algo ruim, mas pode soar repetitivo e cansativo. Dito isso, “Jungle Cruise” começa bem, dedicando sequências de apresentação a cada um de seus personagens, desenvolvendo suas personalidades e colocando o trio protagonista junto para assim iniciar a jornada.  No início somos surpreendidos com o cenário onde tudo vai acontecer, a Amazônia. Quando chegamos na cidade de Porto Velho em Rondônia, percebemos como é pobre a representação brasileira no filme. A caracterização do Brasil se dá através de menções a dengue e a anaconda, nossa cultura e costumes não são representados. A imagem do indigena é estereotipada e a falta de cuidado é tamanha que fica sugerido que no Brasil se fala espanhol. Vale notar que, para a obra, a cento e cinco anos atrás a moeda brasileira era o Real. Os roteiristas sequer imaginaram que nestes anos todos poderíamos ter mudado de papel-moeda. Essa falta de pesquisa histórica empobrece o filme e na prática o que temos é uma aventura genérica que poderia se passar em qualquer rio próximo a uma floresta.   

Frank (Dwayne Johnson) é um capitão de barco que sobrevive tirando proveito dos turistas. O ano é 1916 e a cidade de Porto Velho também atrai gananciosos que buscam se enriquecer com lendas. A Doutora Lily Houghton (Emily Blunt) e seu irmão MacGregor Houghton (Jack Whitehall) chegam na Amazônia em busca de uma árvore, que segundo a lenda, as pétalas podem curar todas as doenças. No Brasil Lily contrata Frank para levá-los em busca da lenda. 

Frank é um personagem que não é confiável, mas pede desculpas após trair alguém. Faz piadas de tiozão, ele é o brucutu bonzinho. Um personagem que funciona pelo grande carisma do The Rock. Lily é aventureira e inteligente, uma figura forte e determinada. Porém seu arco dramático se resume a busca pelo item mágico e infelizmente ela perde o protagonismo ao longo da trama. Seu irmão Jack é um personagem interessante e cômico. Ele discretamente assume sua sexualidade em uma conversa com Frank, o que é um marco importante para os filmes família da Disney. Mas o texto do longa o coloca como uma figura frágil, vaidosa e em situações de mal gosto. Uma representação estereotipada que enfraquece o personagem e a importante iniciativa da empresa. Príncipe Joachin (Jesse Plemons) é um protótipo de nazista caricato que busca as pétalas para usar em seu exército e vencer a primeira guerra mundial. O que surpreende nesse personagem é como Jesse consegue “entrar na brincadeira” e construir um personagem eficiente. 

O diretor Jaume Collet-Serra não sabe aproveitar o potencial da ambientação na selva amazônica e do rio Amazonas. São cenários que oferecem muitas possibilidades e pouco foi utilizado. As cenas de luta e ação são bem construídas e misturam o humor com a tensão. Muitas dessas sequências parecem planejadas para evocar a sensação de se estar em uma atração da Disney. No geral é um trabalho de direção padrão. Apesar de um bom primeiro ato que sabe apresentar seus personagens, utilizando suas características em conjunto com os cenários e o encanto da ambientação. Os efeitos especiais não ajudam. Ambientes são bem construídos e passam a ideia de grandiosidade e beleza. Mas o CGI falha em alguns momentos, ficando claro que os atores estão atuando diante de telas verdes e que os animais com os quais interagem não estão lá.  

“Jungle Cruise” é um divertido filme para toda a família. Mas se estabelece como uma produção genérica. A árvore mágica e suas pétalas existem apenas para que várias situações aconteçam, sem ter um impacto maior na trama.  Os vilões amaldiçoados tem pouco tempo de tela e aparecem pontualmente para mover os personagem de um local para o outro. Durante toda a trama existe a construção de um romance que não funciona. São bons personagens em um mundo fantástico passando por aventuras genéricas. É um filme inspirado em vários clássicos mas que se esquece de criar sua própria experiência. 

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Cinema – Viúva Negra (2021)

Em Viúva Negra, acompanhamos a vida de Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) após os eventos de Guerra Civil. Se escondendo do governo norte-americano devido a sua aliança com o time do Capitão América, Natasha ainda precisa confrontar partes de sua história quando surge uma conspiração perigosa ligada ao seu passado. Perseguida por uma força que não irá parar até derrotá-la, ela terá que lidar com sua antiga vida de espiã, e também reencontrar membros de sua família que deixou para trás antes de se tornar parte dos Vingadores.

133 min – 2021 – EUA

Dirigido por Cate Shortland. Roteirizado por Eric Pearson (baseado em história de Jac Schaeffer e Ned Benson). Com Scarlett Johasson, Florence Pugh, David Habour, Rachel Weisz, Ray Winstone, Ever Anderson, Violet McGraw, O-T Fagbenle, William Hurt, Olga Kurylenko, Michelle Lee, Liani Samuel, Nanna Blondell, Ray Winstone.

“Viúva Negra” é um filme que chega tarde ao universo cinematográfico da Marvel. Após o final de sua personagem em “Vingadores: Ultimato” Scarlett Johansson volta a interpretar a espiã em um filme flashback. A produção funciona como um interlúdio entre os filmes “Capitão América: Guerra Civil” e “Vingadores: Guerra Infinita”. Natasha Romanoff é conhecida no contexto da Marvel, logo, a opção foi explorar seu lado mais humano e vulnerável. O que é um acerto, já que é nesse aspecto onde reside a força da personagem. Porém, os acontecimentos do passado retratados na obra, não mostram seu treinamento na Sala Vermelha ou missões antigas quando ainda era uma agente russa. Também não aborda o momento em que ela deserta para a SHIELD. A trama no passado tem como objetivo contextualizar a personagem na sequência dos filmes e busca também apresentar a nova Viúva Negra daquele universo.  

Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) após os eventos de Guerra Civil está foragida do governo americano e busca refúgio no exterior. Surge então uma conspiração ligada ao seu passado, forçando Natasha a lidar com sua antiga vida de espiã e reencontrar membros de sua “família”. O reencontro com sua irmã Yelena Belova (Florence Pugh) vem com a missão de resgatar outras mulheres vítimas dos abusos ocorridos na Sala Vermelha. É assim que o roteiro de Eric Pearson constrói um paralelo sobre abuso contra a mulher. A violência, manipulação, tortura física e psicológica aparecem no contexto da tranformação dessas jovens em agentes. Porém remetem a abusos diários sofrido pelas mulheres. Agentes que não são livres nem mesmo em seus pensamentos. Essa construção está no longa, mas não é aprofundada.   

Yelena é teimosa, impulsiva e humana. É uma boa apresentação da personagem que junto a Natasha protagonizam as melhores cenas da obra. Seja nas cenas de ação, como na ótima luta entre as duas na cozinha, ou em cenas íntimas e sentimentais.  A química entre Florence Pugh e Scarlett Johansson funciona. Natasha perde a “família” Vingadores e têm de lidar com problemas de sua “família” do passado, enquanto enfrenta um vilão que imita seus movimentos. O Treinador é a materialização de suas atrocidades do passado.  Alexei Shostakov (David Harbour) é o Guardião Vermelho, uma espécie de Capitão América soviético. Ele é a figura paterna das irmãs e o alívio cômico do filme. Melina Vostokoff (Rachel Weisz) é uma figura materna e uma Viúva importante para o funcionamento da Sala Vermelha. A trama nos oferece boas sequências com a “família”, porém os personagens Alexei e Melina pouco tem a acrescentar. 

A diretora Cate Shortland cria um visual diferenciado para o filme. São vários planos de plongée, uma fotografia preocupada em marcar sequências, cores que ajudam na narrativa e cenas de ação tem o cuidado de deixar tudo claro. “Viúva Negra” é o segundo longa da Marvel com uma protagonista, que venham mais. Natasha Romanoff ganha sua despedida mostrando sua força e seu lado humano, e introduz a nova Viúva do Universo Cinematográfico da Marvel.

 

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Streaming – Din e o Dragão Genial – Netflix (2021)

Din e o Dragão Genial acompanha Din, um estudante universitário de origem humilde que possui grandes sonhos. Em um belo dia, o jovem conhece Long, um dragão com grandes poderes e capaz de atender desejos. Juntos, partem em uma aventura muito engraçada em Xangai em busca da amiga de infância de Din e de respostas para seus questionamentos da vida.

93 min – 2021 – China, EUA

Dirigido por Chris Appelhans. Roteirizado por Xiaocao Liu e Chris Appelhans. Com John Cho, Jimmy Wong, Natasha Liu Bordizzo, Constance Wu, Will Yun Lee, Bobby Lee, Jimmy O. Yang, Ian Chen, Alyssa Abiera, Max Charles, Alexandre Chen, Gabriel Lee.

“Din e o Dragão Genial” é uma animação sobre origens e cultura. Nela Din (Voz original de Jimmy Wong) é um garoto de origem simples que vê sua amiga de infância mudar de classe social e crescer em uma vida rica longe da vila em que nasceram. Ele conhece um dragão mágico e ganha a possibilidade de fazer três pedidos. Resolve utilizá-los para impressionar o pai rico de Li Na (Voz original de Natasha Liu Bordizzo) sua antiga amiga. O longa se estabelece como uma releitura chinesa da história clássica do Aladim. Porém é sobre amizade, origens simples e uma crítica a constante busca por riquezas. Além de retratar bem a dificuldade nas relações sociais entre classes na China e em outros lugares no mundo. 

Din quer reencontrar Li Na, eles ficaram dez anos separados e o protagonista vai fazer de tudo para se reaproximar da amiga. É um rapaz estudioso e respeitoso mas que acaba perdendo de vista sua família e suas origens.  Long (Voz original de John Cho), o dragão, quer realizar os desejos de seu mestre o mais rápido possível para se livrar de sua maldição e de seu bule de chá. Enquanto realiza seus desejos, Din é perseguido por capangas de um homem que deseja o bule de chá a qualquer custo. Até aqui temos uma história conhecida e bastante difundida em filmes, livros e animações. Porém, é no personagem do dragão que a obra acerta e inova. Long observa Din em sua vida, e, aos poucos, passa a perceber o valor da simplicidade, a importância do carinho e do amor. É o dragão mágico que realmente se modifica e têm uma lição a aprender com Din.  

Tematicamente o filme aborda as diferenças de classes e a valorização da família e origens. Além de expor como em algumas sociedades mulheres ainda têm pouca autonomia em suas decisões. Visualmente possui cores vibrantes e um design de personagens cativante e interessante. A vila pobre onde o casal cresceu é retratada com muitas cores alegres e vibrantes. Já a Shanghai moderna tem cores frias e clima triste.  O diretor Chris Appelhans faz um bom trabalho na direção. 

“Din e o Dragão Genial” tem um visual lindo e personagens carismáticos. Apresenta temas importantes, mas não se aprofunda em sua crítica social. Long entende seu “trabalho” como uma forma de enriquecer seu mestre, não vê valor na amizade. Nem mesmo hesita dizer que é desperdício gastar um  desejo com amizade. É com Din que ele aprende o valor da família, de suas origens e a importância da simplicidade. São conceitos atualmente esquecidos e que precisam ser resgatados.

 

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Cinema – O Último Jogo (2021)

Dois vilarejos separadas por 9km e uma rivalidade ferrenha. Do lado brasileiro, os habitantes de Belezura, uma pequena cidade que vive de empregos na indústria moveleira, está prestes a encarar dois eventos que mudarão suas vidas: o fechamento da fábrica e a última partida de futebol contra os arquirrivais argentinos do povoado vizinho, o que para eles torna-se a última partida de futebol antes do fim do mundo. E em um ponto todos concordam – é preciso vencer, nem que para isso tenham que dar a própria vida.

100 min – 2021 – Brasil

Dirigido por Roberto Studart. Roteirizado por Ecila Pedroso e Roberto Studart. Com Pedro Lamin, Juliana Schalch, Bruno Bellarmino, Betty Barco, Norberto Presta.

Em “O Último Jogo” o diretor Roberto Studart faz uma homenagem ao futebol e a rivalidade entre o Brasil e a Argentina. Para isso, opta pelo humor nonsense e irônico, com uma fotografia colorida e saturada, e um contexto atemporal e fabulesco. Uma piada de boteco que diverte, provoca algumas risadas, em alguns momentos te deixa indiferente e é efêmera em sua natureza.  

 A trama se passa na pacata cidade fictícia brasileira, Belezura. Por lá conhecemos vários personagens inusitados e caricatos que estão diante de um dilema. Belezura têm fronteira com a cidade argentina Guapa e os cidadãos de ambas localidades demonstram uma enorme rivalidade que toma tons agressivos nos jogos futebolísticos dominicais. A cidade brasileira sobrevive devido a uma fábrica que emprega a todos. Ela está prestes a fechar. Com o fim próximo os moradores de Belezura tem um único objetivo, ganhar a última partida de futebol de várzea, que vai acontecer dali a sete dias. Califórnia (Pedro Lamin) é o craque do time de Belezura, mas ele só quer saber de beber pinga, escrever poesia e pintar quadros. Fumar também, fuma o tempo inteiro. O treinador Arlindo (Norberto Presta) está prestes a desistir quando surge o misterioso Expedito, o “Fantasista da Bola Branca” (Bruno Bellarmino). Os torcedores passam a tentar de tudo para que Expedito seja a arma secreta do time de Belezura na derradeira partida. 

A comédia mostra o cotidiano pacato da cidade e assume tons poéticos típicos de lugarejos perdidos no mapa. A ideia de fantasia e surrealismo da ambientação passa também pelos personagens da obra que assumem papéis lineares e estereótipos. A esposa abandonada que só pensa em sexo, o presidiário bom de bola, o treinador que respira e vive do futebol, o argentino agressivo e carrancudo e o narrador. Esse é o melhor personagem da obra. Ele, o veterinário da cidade, narra as partidas utilizando jargões médicos. A estrutura assumida pelo filme é a de uma série de eventos cômicos onde os habitantes de Belezura tentam convencer Expedito a ficar para a partida. Assim temos sequências engraçadas, inusitadas, indiferentes, vergonha alheia e sem graça. O problema nessas passagens, é que as ações não têm consequências. As tentativas de convencer Expedito nos geram expectativas de problemas a frente na trama como: Situações desconfortáveis, brigas, revelações e etc. Porém a grande maioria não gera efeito algum na narrativa. Um bom exemplo é o tempo dedicado a sensualidade e sedução que geram traições, intrigas e especulações. Porém resultam em nada. 

“O Último Jogo” apresenta belas cenas de futebol. Durante as partidas as jogadas têm sincronia, são rápidas e habilidosas, passando bem a emoção de se acompanhar a uma peleja.  Mas a sensação final é a de uma boa ideia desperdiçada. Uma bela e divertida homenagem ao futebol e a rivalidade entre o Brasil e a Argentina, mas que soa efêmera e não memorável.

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Cinema – O Auto da Boa Mentira (2021)

Dizem que mentira tem perna curta. Se isso é verdade, a bichinha corre rápido, viu! Em quatro histórias inspiradas em contos bem humorados de Ariano Suassuna, cada uma criada a partir de frases do poeta paraibano, conhecemos Helder (Leandro Hassum), Fabiano (Renato Góes), Pierce (Chris Mason) e Lorena (Cacá Ottoni), vivendo diferentes situações onde, ironicamente, a mentira é sempre a protagonista. 

100 min – 2021 – Brasil

Dirigido por José Eduardo Belmonte. Roteirizado por João Falcão, Tatiana Maciel e Célio Porto. Com Leandro Hassum, Rocco Pitanga, Nanda Costa, Giselle Batista, Michelle Batista, Mariana Bassoul, Renato Góes, Matheus Dantas, Cassia Kis, Jackson Antunes, Romulo Marinho, Carlos Gregório, Flávia Prosdocimi, Andrely, Chris Mason, Serjão Loroza, Jesuita Barbosa, Marcelo Magano, Duda Senna, Bruno Bebiano, Cacá Ottoni, Luis Miranda, Johnny Massaro, Leo Bahia, Letícia Novaes, Letícia Isnard, Karina Ramil, Rodrigo Garcia, Silvio Guindane, Juliana Poggi.

Tudo o que esbarra ou encosta em Ariano Suassuna parece ganhar imediatamente uma qualidade única. Ariano era um gênio da brasilidade e uma daquelas pessoas iluminadas que parece ser consciente de seu papel aqui neste planeta. O longa “O Auto da Boa Mentira” que chega aos cinemas nesta semana é um bom exemplo disso. Dirigido por José Eduardo Belmonte o filme se inspira em falas, entrevistas e anedotas de Suassuna. Belmonte conta quatro histórias que têm a mentira como tema central, todas com tempo para se desenvolver e nos deixar aprofundar em cada uma. Em alguns momentos o ritmo inconstante incomoda e é inevitável a comparação entre as histórias já que diferem em qualidade e humor. 

Em uma das tramas temos Helder (Leandro Hassum) um funcionário do RH que é confundido com um famoso comediante. Ele conhece Caetana (Nanda Costa) e ambos acabam se “ajudando”. Na sequência temos o melhor dos quatro contos, nele Fabiano (Renato Góes)  descobre que sua mãe (Cassia Kis) mentiu sobre a verdadeira identidade de seu pai. Nas palavras dela: “Mãe mente para filho toda hora!”. E essa mentira leva o rapaz a ter de lidar com o Palhaço Romeu (Jackson Antunes). Na terceira história conhecemos o gringo carioca e mentiroso Pierce (Chris Mason), que por preguiça de ir a um evento social do amigo Zeca (Serjão Loroza) conta uma mentira que acaba levando os dois a um encontro com o chefe do morro (Jesuíta Barbosa). Finalizando a obra a estagiária Lorena (Cacá Ottoni) solta umas inverdades que acabam com a festa de natal da empresa.    

É surpreendente que o roteiro escrito por João Falcão, Tatiana Maciel e Célio Porto surja a partir de frases, comentários, entrevistas e piadas de Ariano Suassuna. Os respectivos trechos que inspiram cada história estão na montagem do longa e permeiam os contos transformando Suassuna em uma espécie de narrador. Elemento que poderia ter sido melhor aproveitado, uma vez que é um dos pontos altos da projeção. Apesar dos roteiros inspirados e a boa direção, sabe dosar o humor e o drama dos “causos”. São quatro histórias diferentes em tom, ritmo e qualidade. Inevitavelmente escolhemos as nossas preferidas e as comparamos umas com as outras o que quebra o ritmo e a coesão da obra.  O conjunto é sim divertido e evoca o humor do Suassuna, ainda que, em diversos momentos, opte por suavizar o sarcasmo e amenizar as resoluções.

“O Auto da Boa Mentira” é um filme agradável e divertido, uma bela homenagem a Ariano Suassuna. Em um momento onde o mundo, e principalmente o Brasil, tornou a mentira em arma e ferramenta de discurso de ódio. O gênio e mestre Suassuna  nos lembra que a mentira pode ser uma ferramenta para contar boas histórias, entreter, fazer rir e conviver em harmonia. Em suas próprias palavras: “Eu não gosto de quem mente para prejudicar os outros. Eu gosto do mentiroso que mente por amor a arte.”

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Streaming – Cabras da Peste – Netflix (2021)

Na trama, Bruceuilis (Filho) é um policial do interior do Ceará que, para resgatar Celestina, uma cabra considerada patrimônio da cidade, viaja até São Paulo. Lá encontra Trindade (Nachtergaele), um escrivão da polícia que resolve se aventurar em campo, mesmo não sendo sua especialidade. O longa tem o estilo conhecido como buddy cop, mas com um toque à brasileira.

97 min – 2021 – Brasil

Dirigido por Vitor Brandt. Roteirizado por Vitor Brandt e Denis Nielsen. Com Edmilson Filho, Matheus Nachtergaele, Leandro Ramos, Letícia Lima, Juliano Cazarré, Evelyn Castro, Falcão, Rossicléa, Victor Allen, Jéssica Tamochunas, Eyrio Okura, Renan Medeiros, Marianna Armellini, Emerson Ceará, Cristiane Wersom, Bolachinha, Rafael Portugal, Haroldo Guimarães.

Em 2013 o diretor Halder Gomes trouxe uma nova modalidade de comédia para o cinema brasileiro. “Cine Holliúdy” apresentava o humor cearense e trazia brasilidade, uma característica pouco vista em nossas produções. A novidade foi bem sucedida e também pelas mãos de Halder Gomes tivemos em 2016 “O Shaolin do Sertão” e em 2018 a continuação “Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral”. Além do diretor e estilo de humor, todos esses filmes tinham outra peça em comum, o ator Edmilson Filho. Agora em 2021 Edmilson junto com o diretor Vitor Brandt apresentam o encontro do humor cearense com o estilo de filme “buddy cop”. “Cabras da Peste” é uma sátira aos longas policiais que faz referência a vários clássicos do gênero. Parece uma paródia de “Um Tira da Pesada”, trazendo até mesmo uma versão em forró da música de abertura da comédia com o Eddie Murphy. A canção “The Heat Is On” de Glenn Frey se torna “Calor do Cão” na voz de Gaby Amarantos, Junior Groovador e Gustavo Garbato.

Dois policiais com personalidades diferentes e conflitantes são forçados a trabalhar juntos. Uma trama comum mas que traz consigo toda a brasilidade que a cena de abertura do longa nos mostra. Ela cria piadas visuais e apresenta a pequena Guaramobim, cidade natal de Bruceuilis Nonato (Edmilson Filho) o “tira arretado”. Rapidamente também conhecemos Renato Trindade (Matheus Nachtergaele) o “policial de escritório”.  A união dessa dupla improvável, um policial de uma cidade pacata e um policial da capital paulista, tem como estopim o sequestro de uma cabra por um caminhão de rapadura. Uma trama com enorme potencial cômico, que infelizmente, acaba um pouco desperdiçada. O filme não se leva a sério, faz graça com tudo e com todos. Atuações caricatas, muitas coincidências movem o roteiro e frases de efeito que são verdadeiros “trocadilhos de efeito”. O sequestro da cabra se comprova como uma peça de um grande e previsível quebra cabeça. A previsibilidade da narrativa não é necessariamente um problema. O foco é o deboche e a piada. A paródia e a sátira são a principal proposta do longa, e é justamente no excesso delas que encontramos um dos problemas do filme.

Bruceuílis adora os clássicos de ação policial e demonstra um enorme orgulho por seu trabalho e pela pequena cidade de Guaramobim. Edmilson Filho apresenta um policial durão, que é preocupado com seu parceiro e demonstra muito carinho pela Celestina, a cabra. Tem um bom humor físico e é o protagonista das cenas de luta. Trindade, o seu parceiro, é um policial burocrata e medroso que quer impressionar sua chefe Priscila (Letícia Lima). Basicamente essa é a composição que Matheus Nachtergaele apresenta para seu personagem. O elenco conta com talentosos humoristas vindos dos mais variados tipos de humor. Leandro Ramos, Victor Allen, Evelyn Castro, Falcão e Rossicléa são alguns dos nomes que encontramos no elenco. As brigas exageradas merecem destaque Bruceuílis não carrega arma de fogo, o que rende boas piadas como quando encara criminosos armados com uma toalha molhada. O núcleo policial da capitã Priscila é caricato, fazendo muitas piadas e dando alfinetadas no modo de operar da polícia brasileira. Falcão protagoniza o núcleo político e ironiza nosso modo de fazer política e nossos políticos atuais. Alfinetadas bem dadas, mas que não se propõe a uma discussão e/ou debate sobre o tema. Ao longo de todo o filme damos risadas de piadas engraçadas, e algumas nem tão engraçadas assim, que devido ao talento da boa equipe de comediantes são bem sucedidas. Porém, em alguns momentos, incomoda a insistência em um tipo de humor datado, ofensivo e besta. No final da obra piadas recorrentes nos cansam, a trama opta por escolhas fáceis e o exagero do besteirol deixam a experiência desagradável.

“Cabras da Peste” acerta em cheio quando sua trama está na pacata Guaramobim. Esse núcleo é engraçado, besta e apresenta um deboche refinado. É uma pena que a maior parte do longa se passa em São Paulo. Um filme que nos faz rir e que a habilidade e carisma de seu elenco nos segura até o final. Uma ótima premissa que deixa uma sensação de trama desperdiçada.

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Streaming – Mulan – Disney Plus (2020)

Em Mulan, Hua Mulan (Liu Yifei) é a espirituosa e determinada filha mais velha de um honrado guerreiro. Quando o Imperador da China emite um decreto que um homem de cada família deve servir no exército imperial, Mulan decide tomar o lugar de seu pai, que está doente. Assumindo a identidade de Hua Jun, ela se disfarça de homem para combater os invasores que estão atacando sua nação, provando-se uma grande guerreira.

115 min – 2020 – EUA/Hong Kong

Dirigido por Niki Caro e roteirizado por Rick Jaffa, Amanda Silver, Elizabeth Martin e Laura Hynek. Com Yifei Liu, Donnie Yen, Li Gong, Jet Li, Jason Scott Lee, Yoson An, Tzi Ma, Rosalind Chao, Xana Tang, Jun Yu, Chen Tang, Jimmy Wong.

*Devido a pandemia estreou apenas na plataforma de streaming Disney Plus

Mulan é o longa-metragem mais recente da Disney, ele segue na proposta de trazer os clássicos do estúdio de animação com uma caracterização real. O realismo não se dá apenas pelo fato de ter um elenco verdadeiro com locações físicas e efeitos especiais, se dá também pela opção de retirar ao máximo os alívios cômicos e as canções da produção original. A história é a mesma. Mulan (Liu Yifei) é uma jovem honrada e corajosa que assume o lugar de seu pai Hua Zhou (Tzi Ma) na batalha. Ele é um veterano de guerra debilitado, por isso, Mulan finge ser homem para como filho assumir o lugar do pai e lutar em uma guerra para salvar a China de um exército de invasores. Com a opção da diretora Niki Caro de fazer uma versão realista, elementos importantes da animação ficaram de fora. Porém elementos ligados à tradição e mitologia chinesa foram adicionados, logo, essa obra se apresenta mais como uma nova adaptação da lenda folclórica de Mulan e menos como uma refilmagem. Isso se confirma na fala do pai da protagonista no início da trama: “Muitas lendas foram contadas sobre a grande guerreira Mulan, essa é a minha”  

A versão de 2020 apresenta um design de produção lindo, um visual belo e sofisticado. São sequências e planos que deslumbram, muitas cores, muita intensidade e um ambiente fantasioso e mágico. Tudo isso com um elenco empenhado e figurinos ricos, detalhados e elegantes. A produção tenta criar um clima épico com paisagens maravilhosas, muitos figurantes e cenários grandiosos. Todo o visual evoca a sensação de tradicionalidade chinesa e remete a filmes do país. É uma tentativa de agradar o público chinês e fugir da representação estereotipada que anos atrás a animação não soube evitar.   A correção desses equívocos é um acerto, assim como retratar trajes e tradições culturais. 

É uma pena que em alguns momentos chave a diretora não saiba tirar proveito da dimensão épica que o longa tenta criar. Cortes rápidos e movimentos bruscos tiram o impacto de sequências de batalha, momentos de revelação perdem a intensidade com enquadramentos genéricos e cenas de clímax são desperdiçadas com mudanças repentinas de quadro. O roteiro é apressado e perde boas oportunidades de criar momentos memoráveis, elaborar melhor seus personagens, criando arcos narrativos interessantes e cativantes. A relação entre Mulan e a bruxa Xianniang (Gong Li) é pouco explorada e os objetivos e crenças da feiticeira são frágeis. Uma personagem que deveria estabelecer um paralelo forte com a protagonista acaba funcionando como um atalho de roteiro.

Uma característica forte na animação é o empoderamento feminino. Mulan treina, é dedicada e se esforça. Assim se torna uma guerreira forte e que se destaca no meio de um exército de homens. Esses elementos estão presentes neste novo filme, porém perdem força com a introdução do chi. Conhecemos a protagonista quando criança treinando com seu pai que reconhece na garota (Crystal Rao) seu potencial. Mulan apresenta uma grande agilidade e habilidade devido a presença de um forte chi. Isso a torna uma “escolhida” alguém que dotada de grandes poderes está destinada a grandes feitos. Ainda que no processo ela precise aprender quem ela é. A denúncia de uma sociedade machista e uma cultura patriarcal enraizada na sociedade está presente. Tudo à volta de Mulan a diz que a honra de uma filha está em um bom casamento.  A protagonista tem que se libertar desses preceitos e preconceitos para assim se tornar uma heroína. 

Mulan aprende a lidar com sua força interior enquanto se entende como pessoa e luta por seu lugar no mundo. Uma obra com um visual lindo, cenários e figurinos elaborados e um sentimento de fantasia e mágica. Porém, é apressado e não dá a devida atenção a seus personagens e suas transformações. Um longa que tenta ser épico e que apresenta uma história sobre tradição e família sem medo de explicitar os costumes machistas e patriarcais.

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Streaming – A Dama e o Vagabundo – Disney Plus (2019)

Relançamento do clássico de 1955, que conta a história de amor entre a Dama, uma cocker spaniel mimada, e um vira-lata chamado Vagabundo, que salva a cadelinha do perigo de vagar sozinha perdida pelas ruas.

104 min – 2019 – EUA

Dirigido por Charlie Bean e roteirizado por Andrew Bujalski. Com Tessa Thompson, Justin Theroux, Kiersey Clemons, Thomas Mann, Ashley Jensen, Benedict Wong, Janelle Monáe, Yvette Nicole Brown, Arturo Castro, Adrian Martinez, Sam Elliott, Ken Jeong, F. Murray Abraham, Clancy Brown, Nate “Rocket” Wonder, James Bentley e Parvesh Cheena.Hollingworth, Bill Paterson, Ben Crompton, Jane Lapotaire e Ashleigh Reynolds.

Em 2019 “A Dama e o Vagabundo”, uma das animações clássicas da Disney, ganhou a sua versão live-action. O longa faz parte das produções originais do novo serviço de streaming do estúdio. O Disney Plus chegou ao mercado brasileiro em novembro de 2020. A refilmagem é uma produção mais singela e com orçamento menor do que as re-visitas aos clássicos destinados ao cinema. O que não compromete o resultado, uma vez que o diretor Charlie Bean não se mostra interessado em um uso excessivo de computação gráfica. Utiliza os efeitos visuais pontualmente e sempre em prol da narrativa, quando pode, coloca os verdadeiros astros em cena. O elenco canino.  

O encanto da animação se mostra também presente na versão “carne e osso” que não altera muitos elementos do original. As mudanças propostas são bem vindas, novas sequências são adicionadas e erros do passado são apagados. Um exemplo é a nova sequência dos gatos siameses da Tia Sarah (Yvette Nicole Brown), que corrige a representação racista e estereotipada de asiáticos. Temos uma breve sequência sobre o passado do Vira-lata, que diz muito sobre a sua maneira de ver a vida e melhora seu arco narrativo. O filme apresenta um elenco diverso, em seu núcleo humano o casal principal é uma mulher negra casada com um homem branco. Algo que o racismo da época não permitiria e portanto um esforço importante e bem vindo da produção.

Dama (Tessa Thompson) é uma cocker spaniel de uma família rica, ela é o centro do universo para o casal. Com a chegada do bebê Dama sente perder importância e teme por seu lugar na família. Ela acaba conhecendo um vira-lata sem nome, malandro acostumado a viver nas ruas apelidado pelos amigos de Vagabundo (Justin Theroux). Após um incidente, Dama e o Vagabundo acabam passando um dia juntos e se conhecendo melhor. Assim como no original, a obra apresenta a vida confortável, pacata e segura da alta sociedade. As contrapondo com as dificuldades de quem precisa se valer da malandragem para sobreviver. A denúncia e crítica da diferença de classes sociais está presente e funciona. Ainda que o filme amenize todo o discurso e mensagem sobre a dicotomia de classes. 

A dupla de animais protagonista é carismática e cativante. As vozes de Tessa Thompson e Justin Theroux funcionam muito bem. Os cachorros coadjuvantes também foram escolhas certeiras e  finalizam o acerto desse elenco canino.  Sam Elliott como Trusty está perfeito parece ter nascido para esse papel. Ashley Jensen como Jock, Janelle Monaé como Peg e Benedict Wong como Bull são ótimos. Vale um destaque para a nova versão da canção “He’s a Tramp” que ficou a cargo de Janelle Monaé.  Os cachorros são bem treinados e participam ao longo de todo o filme, nas sequências em que efeitos especiais foram necessários por serem perigosas e/ou inviáveis para os caninos a computação gráfica funciona. O longa opta por uma estética mais cartunesca possibilitando mais expressividade, emoção e simpatia. Já o elenco humano, não é tão atraente. O casal composto pelo personagem Querido Jim (Thomas Mann) e Querida (Kiersey Clemons) são rasos e unidimensionais. Assim como o vilão dono da carrocinha (Adrian Martinez) que apesar de uma interpretação mais caricata e divertida é o vilão malvado tradicional que nutre um ódio sem explicação pelo Vagabundo. O destaque dos seres humanos é a dupla F. Murray Abraham e Arturo Castro. Eles são responsáveis por trazer na nova versão a cena mais icônica da animação, e são muito bem sucedidos. É perceptível o cuidado que a produção teve com essa sequência que funcionou tão bem quanto na original. É uma ótima performance da canção clássica “Bella Notte”. 

Algo se perde nas adaptações de clássicos animados para suas versões live-action, principalmente nas sequências musicais. A tentativa de deixar os acontecimentos mais reais nos rouba de algo mágico e único que apenas as animações podem trazem.  O novo “A Dama e o Vagabundo” é uma obra despretensiosa que refaz o original mantendo o importante e corrigindo erros e injustiças históricas. Evoca um sentimento de nostalgia, mas certamente pode e deve cativar e conquistar novos espectadores.  

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Streaming – Vigiados – Amazon Prime Video (2020)

Em Vigiados, dois casais em um retiro à beira-mar começam a suspeitar de que o dono da casa alugada, aparentemente perfeita, pode estar espionando-os. Em pouco tempo, o que deveria ser uma viagem comemorativa de fim de semana se transforma em algo muito mais sinistro, à medida que segredos bem guardados são expostos e os quatro velhos amigos passam a se ver sob uma luz totalmente nova.

88 min – 2020 – EUA

Dirigido por Dave Franco. Roteirizado por Dave Franco, Joe Swanberg e Mike Demski. Com Dan Stevens, Jeremy Allen White, Alison Brie, Sheila Vand, Toby Huss, Connie Wellman.

Um grupo de jovens viaja para um lugar paradisíaco e isolado. Algo parece estranho e paira uma sensação de que eles não deviam estar ali. Coisas misteriosas acontecem e pequenas atitudes e decisões são tomadas. Elas iniciam uma “bola de neve” fatal. Essa é uma premissa muito conhecida dos cinéfilos e tão utilizada que já existem clássicos até mesmo em jogos de tabuleiro e vídeo  game. “Vigiados” é a primeira empreitada do diretor Dave Franco, que além de ser uma bonita homenagem ao gênero terror, traz algumas atualizações a uma mistura com o subgênero slasher.  

Na primeira parte da obra, que se estende durante a primeira hora, a atmosfera é de incerteza. Dave não poupa tempo para nos apresentar os ambientes e seus personagens. Desenvolve as relações entre eles e vai construindo a tensão pontualmente com pistas, movimentos de câmera e pequenas aparições. É comum assistirmos aos personagens enquadrados de longe o que sugere a todo momento que alguém os está observando. Charlie (Dan Stevens), sua esposa Michelle (Alison Brie), seu irmão Josh (Jeremy Allen White) e sua sócia, e namorada de Josh, Mina (Sheila Vand), alugam uma casa de luxo a beira mar para um fim de semana de descanso, festa e curtição. Por lá, coisas estranhas acontecem.   

É interessante perceber como desde o ínicio existem sinais claros de que o final de semana não iria acabar bem, tanto no aspecto pessoal, social e íntimo do grupo. Quanto no aspecto sinistro de toda a viagem. Em alguns momentos a trama sugere que o potencial desastre vai ser causado pelo próprio grupo de jovens. E em boa parte é. Decisões erradas são tomadas, delitos são cometidos e todas as ações têm consequência e não são perdoadas pelo roteiro.  Durante a atmosfera de incerteza que reina no o início da obra o terror vêm das mentiras, manipulações e falhas humanas. Até que de fato surge, na segunda metade do filme, a grande ameaça. Que pode até soar como punição. Como tivemos um bom tempo com esses personagens, antes dessa revelação, nos importamos com eles o que é fundamental para que toda a etapa final seja eficaz. 

“Vigiados” é uma bonita homenagem e um bom filme de terror. Dave Franco têm uma estreia bem sucedida na direção, é possível perceber suas influências apesar de seu filme ter uma personalidade própria.

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos:

Sunça no Streaming – Enola Holmes – Netflix (2020)

Enola Holmes (Millie Bobby Brown) é uma menina adolescente cujo irmão, 20 anos mais velho, é o renomado detetive Sherlock Holmes (Henry Cavill). Quando sua mãe desaparece, fugindo do confinamento da sociedade vitoriana e deixando dinheiro para trás para que ela faça o mesmo, a menina inicia uma investigação para descobrir o paradeiro dela, ao mesmo tempo em que precisa ir contra os desejos de seu irmão, Mycroft (Sam Claflin), que quer mandá-la para um colégio interno só de meninas.

123 min – 2020 – EUA

Dirigido por Harry Bradbeer. Roteirizado por Jack Thorne (Baseado nos livros de Nancy Springer, inspirados na obra de Arthur Conan Doyle). Com Millie Bobby Brown, Henry Cavill, Sam Claflin, Helena Bonham Carter, Louis Partridge, Adeel Akhtar, Fiona Shaw, Frances de la Tour, Susie Wokoma, Burn Gorman, David Bamber, Hattie Morahan.

“Enola Holmes” traz uma abordagem mais informal e descontraída para figuras já consagradas do universo do detetive criado por Arthur Conan Doyle. A produção têm a intenção de agradar e atrair o público jovem, e para isso, aposta em retratar a jornada de amadurecimento da jovem Enola Holmes (Millie Bobby Brown). Ela está sozinha pela primeira vez e têm que aprender a se virar. A protagonista é cativante e tem uma personalidade forte, Enola não exita em confrontar seus irmãos mais velhos Mycroft (Sam Claflin) e Sherlock (Henry Cavill). No dia do seu aniversário de dezesseis anos sua mãe Eudoria (Helena Bonham Carter) desaparece e essa é a fagulha que inicia a trama de auto-descoberta e investigação da garota. Em sua busca pela mãe  a detetive acaba salvando o jovem lorde Tewkesbury (Louis Patridge) e assim seu primeiro caso “cai” literalmente em seu caminho.  

A trama parte da ideia de busca da figura materna e assim permite que a personagem expanda seus horizontes e viva experiências se descobrindo a cada etapa do percurso. Para isso o diretor Harry Bradbeer escolhe um enfoque dinâmico e ágil. Harry recentemente trabalhou na série “Fleabag”, alguns aspectos e elementos narrativos muito utilizados na série repercutem nesta obra, que têm sua história baseada em uma série de livros “Os Mistérios de Enola Holmes” da autora Nancy Springer. Seguimos em um ritmo acelerado que nos leva a vários cenários diferentes acompanhados por uma trilha sonora que ajuda a deixar a investigação mais dinâmica. Millie Bobby Brown é carismática e consegue trazer a arrogância dos Holmes ao mesmo tempo em que nos cativa e deixa interessados em suas buscas e experiências. Suas constantes quebras da quarta parede inicialmente surgem como uma interação simpática e funciona em prol da narrativa. Porém ao decorrer do filme se torna um elemento repetitivo e didático. 

São poucas as sequências em que a investigação é o destaque, e as constantes explicações da protagonista deixam tudo ainda mais banal. Sabemos tudo o que ela pensa, tudo o que ela faz e tudo o que pretende fazer. O caso é simples, e já na metade da trama é possível saber seu desfecho. Outro recurso utilizado ao extremo são os flashbacks de Enola e sua Mãe. É um acerto do longa focar na jovem Holmes e tirar de cena seus irmãos mais famosos. Henry Cavill e Sam Claflin estão bem muito bem em seus personagens, são elegantes e trazem uma abordagem mais clássica para os irmãos. Mesmo com poucas participações eles geram interesse e chamam atenção. Por causa disso, talvez fosse mais interessante que os personagens tivessem menos importância no roteiro. Mycroft vê a irmã como uma “criatura selvagem” e está constantemente irritado com ela. Sherlock segue suas investigações frias e no decorrer dos acontecimentos passa dar atenção a irmã, porém de início é indiferente a ela. 

As constantes explicações de tudo que vemos em tela incomoda. Elas vão além dos mistérios e passam também pelo texto da obra. Todas as reflexões sobre a emancipação feminina, sobre os abusos que mulheres sofriam na época e a luta por direitos iguais são bem vindas e necessárias. Mas poderiam ser menos didáticas, a impressão que fica é de que o roteiro a todo momento está com medo de que o espectador não esteja entendo seus acontecimentos e suas importantes discussões. O texto enaltece a todo momento a emancipação feminina, por isso, incomoda um pouco que em alguns momentos Enola precise de resgates e ajudas de personagens masculinos, principalmente nas figuras do lorde Tewkesbury e de Sherlock Holmes.

Eudoria cria sua filha para que se torne uma mulher independente e forte. E isso acontece. “Enola Holmes” funciona como o primeiro episódio de uma série, introduz uma protagonista carismática e com personalidade que pode e deve se aventurar em seus próprios mistérios e investigações.

Nota do Sunça:

Últimas críticas:

Últimos textos: